segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Sessão de Terapia - a segunda temporada

“O psicanalista banha-se numa trama cerrada e onde a cura, se cura há, é apesar dele” (J.D.Nasio)


Perguntaram-me, dia desses, se a série "Sessão de Terapia", atualmente em sua segunda temporada no canal GNT, fazia bem ou mal à imagem do profissional psicólogo. Não soube responder, a princípio. Theo Cecatto (Zécarlos Machado), o protagonista da série dirigida por Selton Mello, é um homem atormentado, cujos dramas pessoais interferem (e muito) na condução dos casos clínicos que atende. Não é muito diferente de outros psicólogos retratados na ficção, especialmente no cinema americano. O estereótipo mais comum é do homem (ou mulher) perturbado e não raramente, antiético. O que difere, talvez, o personagem Theo é que ele "se cuida". Dora, a personagem da ótima Selma Egrei, faz as vezes de supervisora-terapeuta. Supervisão e psicoterapia pessoal (em geral realizadas por dois profissionais distintos) são condições essenciais para que o psicoterapeuta possa lidar com os seus chamados "pontos cegos". E este investimento é caro para o profissional, o que reflete no preço da sessão. Para o telespectador comum (que não é da área), isso é uma novidade, o que é bom.

Theo não é psicanalista. Selton Mello não deixou claro a linha que o personagem segue, mas isso transparece pelas intervenções realizadas, pelo setting, pela ausência de divã. É possível observar alguns livros de psicanálise na biblioteca de Theo, entretanto. Estão lá, por exemplo, o clássico "As quatro mais um condições para análise" do lacaniano Antonio Quinet. Theo estaria mais próximo, talvez, dos psicodinâmicos, como o psicoterapeuta (Judd Hirsch) retratado no belíssimo "Gente como a gente" (1980) de Robert Redford, ou do terapeuta de Matt Damon, composto por Robin Williams em "Gênio Indomável" (1997). Não tão alegre como Robin Williams, é claro. Zécarlos Machado compõe um psicoterapeuta melancólico, mais contido, inclusive, que na temporada anterior. Meu olhar feminino até o considera mais bonito agora, tamanha a beleza do personagem.

Entre os pacientes (todos muito ricos), o meu preferido é Otávio (Cláudio Cavalcanti). A morte do ator, pouco antes da série estrear, colabora para a comoção. A cena em que o "poderoso" Otávio, com as mãos trêmulas e pouco familiarizado com o celular, lê a mensagem enviada pela filha por quem tem adoração, é perfeita. Não há como não chorar.

Na temporada anterior, todos os pacientes do pobre Theo tinham a agressividade como principal "defesa" e o terapeuta "apanhou" por toda a temporada. Júlia (Maria Fernanda Cândido) também era agressiva, embora sua principal resistência ao caminhar da psicoterapia fosse a transferência erótica desenvolvida pela figura do terapeuta (e correspondida por ele, diga-se). Na atual temporada, com exceção (talvez) do garoto Daniel (Derick Lecouflé), os personagens também se apresentam com uma armadura de força até que um sintoma se apresente. No caso de Carol (Bianca Comparato), uma doença grave: o câncer.

Talvez a sessão mais bonita, ao menos para mim, enquanto psicóloga, foi a de sexta, com Dora. Embora não seja psicanalista (pelo menos, eu acho que não), Dora faz uma questão importante a Theo: "Quem você quer salvar?". Está aí em jogo o desejo do analista. Será que afinal, um analista deve desejar alguma coisa na condução de um caso? Esta é uma questão que atormenta a nós, psicólogos, dia a dia, especialmente os psicanalistas.

Em resumo e em resposta à pergunta que abre o post: apesar dos pesares, acredito que a série leva a público, como já escrevi no ano passado, um pouco do que é a rotina de um psicoterapeuta. Há muito de ficção e exagero, claro, mas nenhum dos casos (re)tratados é inverossímel. Selton Mello afirma, inclusive, que a procura por psicoterapia aumentou muito após a estréia da série. Isso é importante, e é bom. Para quem procura ajuda, para os psicoterapeutas, e para os telespectadores que querem apreciar um bom programa de tevê

* para ler mais, clique aqui  Quem foi que disse que quem é casado com uma psicóloga não precisa de psicoterapia? Tem que ver isso aí...rs.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Cláudio Cavalcanti

Foi com tristeza que li a notícia da morte de Cláudio Cavalcanti no último domingo.Cláudio Cavalcanti está entre os grandes galãs dos anos 70 e 80, junto de Tarcísio Meira, Francisco Cuoco e Cláudio Marzo. Tarcísio Meira era o galã épico, com seu porte altivo e rosto esculpido à canivete. Cláudio Marzo e Cláudio Cavalcanti faziam homens bonitos, mas comuns. Quando começaram a envelhecer (com cabelos brancos e entradas), continuaram sendo galãs. Cavalcanti, assim como Tarcisão e Marzo, gravou a clássica “Irmãos Coragem” (1970/71), o faroeste tupiniquim criado por Janete Clair. Jerônimo Coragem, um dos personagens mais lembrados do ator, era o irmão idealista e combativo, cuja cena de morte está entre as grandes da teledramaturgia brasileira.  Lembro-me muito também de Danilo, o personagem problemático que ele fez em "Sétimo Sentido" (1982), também de Janete Clair, além, é claro, do politizado padre Albano, de "Roque Santeiro" (1985).

Jerônimo, João e Duda: os Irmãos Coragem

O ator não era, nem de longe, o meu preferido, mas sua voz era inesquecível e traz lembranças da minha infância noveleira. É desta voz que eu sentia falta e que vou ouvir, pela última vez, na segunda temporada de Sessão de Terapia (que será apresentada no canal GNT, a partir do próximo dia 07). Ele será Otávio, um empresário racional que começa a apresentar crises de pânico. Consta que ele mergulhou fundo na composição do personagem e suas cenas são emocionantes. Uma pena ter morrido antes de colher a repercussão do que seria o seu último trabalho.

Além do trabalho inédito, é possível revê-lo como o professor Edir em "Água Viva" (1980), novela de Gilberto Braga que começou a ser reprisada ontem, pelo Canal Viva. Está lá um Rio de Janeiro que não existe mais, mocinhas sem silicone, trintonas sem botox, homens sem músculos (e com pêlos), cabelos com muito volume e frizz, além de um roteiro bem alinhavado. Cláudio Cavalcanti era um herói de novelas que representava bem esta época. Rugas no rosto, olhar expressivo e muito talento. Ele parecia um homem de verdade.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Prenez soin de vous...

"A arte existe porque a vida não basta" (Ferreira Gullar)

Sophie namorava Gregoire. Em um belo dia, ele terminou o relacionamento com ela. Por e-mail. Entre outras coisas, o e-mail trazia uma recomendação: "Prenez soin de vous" (Cuide-se). O recado não poderia ser mais claro (era um fora!). No entanto, a escritora e artista Sophie Calle enviou o e-mail para 107 mulheres (de nacionalidades e profissões distintas) para tentarem dar uma nova significação à carta. Os 107 novos sentidos para um simples e-mail resultaram em uma exposição de arte. Ou seja, uma mania muito presente entre mulheres (o que será que ele quis dizer com isso?) virou produção e gerou dinheiro. Lembrei de Sophie nestes últimos dias, em meio às discussões sobre o DSM-V e diante uma receita médica antiga que andou circulando pelas redes sociais.

A  famosa receita médica (com letra legível!)

Consta que Sophie, ao procurar por ajuda psiquiátrica ao término de seu namoro, teria sido atendida no hospital público de Paris. A médica (fofa), Catherine Solano, recusou-se a medicá-la com antidepressivos: "Você está apenas triste" - redigiu ela. E terminou a receita com uma afirmação que se concretizou, enfim: "Você encontrará recursos para reagir". Sophie Calle encontrou. Não adoeceu. Fez arte.

A nova versão do Manual de diagnóstico de Doenças Psiquiátricas (o DSM-V) traz várias modificações polêmicas, sendo uma das principais, a psiquiatrização do luto. O trabalho de luto (após a morte de alguém, término de relacionamento, perda de um projeto de vida, enfim) que é, afinal, algo tão fundamental à vida, está classificado como doença mental no novo DSM. Pelo novo manual, Sophie, que sofria pelo fim de uma relação de amor, estaria doente e deveria ser medicada. Assim como todos nós que um dia já sofremos com um fim.

É claro que existem dores psíquicas muito intensas que precisam, sim, de ajuda medicamentosa. No entanto, fiquei pensando se Sophie Calle teria montado, afinal, sua exposição de arte se tivesse sido medicada. Talvez sim, não dá para saber.Não estava doente, contudo,e encontrou recursos (que não um psicofármaco) para reagir. Que bom se todos pudéssemos "fazer arte" a partir de um e-mail. No final das contas, Sophie seguiu o conselho de Gregoire. Ela se cuidou, ao seu modo.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Mal traçadas linhas...

Eram os anos 90 e éramos em doze meninas. Em meu primeiro ano de faculdade eu morei em um "pensionato para moças" em Ribeirão Preto. Pouco conforto, uma cidade estranha, 17 anos, mas muita alegria e cumplicidade. Todas nós éramos "estrangeiras" naquela terra quente, abafada e linda. A Califórnia brasileira só carecia de uma boa praia e dos velhos amigos de infância, de quem sentíamos muita falta. Uma internet capenga só na Universidade e ainda não tínhamos o hábito dos e-mails.A hora mais esperada do dia? A visita do carteiro! Nada substitui hoje o prazer de receber aquelas cartas gordinhas, com envelopes preenchidos com letras conhecidas de gente querida (e, às vezes, MUITO querida).

Mulheres costumam escrever mais. Nem sempre enviam as cartas (hoje, e-mails), mas escrevem mais que os homens, no geral. A minha geração, que cresceu nos anos 80, é a geração dos papéis de carta e dos cursos (ainda) de datilografia. Até hoje digito sem olhar no teclado, "herança" do projeto de ser uma exímia datilógrafa. Nos cinzentos anos 80, já com medo do desemprego, eu pensava que se não fosse jornalista, pelo menos uma datilógrafa rápida eu teria condições de ser!

Papéis de carta! S2
Comecei a escrever cartas cedo. Para a turma da Mônica, para o Balão Mágico, para o Sonho Maluco do Gugu, para a promoção do Caldo Maggi da Galinha Azul. Hoje, nem jornalista, nem datilógrafa, sinto falta do prazer de escrever longas cartas, ainda que no teclado do computador. É raro conhecermos as letras das pessoas, no máximo, sua assinatura. Lembro de cartas longas e numeradas que escrevíamos durante a semana toda para então postar na sexta feira. Era mais fácil ser dramática com cartas. Letras tremidas, perfume nas páginas (com talco!), beijo de batom e até... lágrimas! Houve uma carta que deixei cair (de propósito) algumas lágrimas fazendo borrar toda a caligrafia. A mexicana que até hoje habita em minha pessoa usava e abusava do drama epistolar. Palavras como "arrebatamento" e "rompante" eram as minhas preferidas, além das metáforas básicas, é claro. Quantas vezes quase corri atrás do carteiro por conta de uma carta (mal) escrita e impulsiva? Minha "Thalia" interior, definitivamente, tinha de ficar em um calabouço.

Curso técnico  por correspondência: quer coisa mais velha?
Hoje não sinto mais aquela emoção ao ver o cara de uniforme amarelo dos Correios (sim, o carteiro era, ainda que indiretamente, um objeto de desejo!). No máximo, fico feliz ao receber uma encomenda ou aqueles livros que tanto quis comprar. Devo estar  ficando velha. O mundo pré-internet era mesmo um outro mundo. Um mundo que acabou. Saudades dele.


terça-feira, 17 de setembro de 2013

Flores Raras

"Flores Raras" não precisa caber num catálogo de "filmes homossexuais" porque cabe no dos grandes filmes de amor e porque já pertence a uma época em que a orientação sexual talvez seja, enfim, inessencial." (Contardo Calligaris)


Compartilho da mesma opinião de Calligaris sobre o último filme de Bruno Barreto. "Flores Raras" faz com que você se apaixone pelas protagonistas e ao mesmo tempo se irrite com elas, sem deixar de torcer pelo romance das duas. Não faria diferença alguma se a história ocorresse entre um homem e uma mulher, ou entre dois homens. Em certo sentido, faz lembrar do belo filme de Ang Lee, "O segredo de Brokeback Montain"(2006), uma das mais bonitas histórias de amor já contadas no cinema. Eram dois homens, mas isso, de fato, era o que menos importava. "Flores Raras"  foi inspirado no livro "Flores raras e banalíssimas" de Carmem L. Oliveira, que conta a história da passagem da poeta americana Elizabeth Bishop pelo Brasil, entre os anos 50 e 60 e, consequentemente, de seu envolvimento com a arquiteta Lota de Macedo Soares.


O filme vale a pena, em especial, pelas atrizes. A narrativa não traz nada de inovador, mas é incrível a química entre Gloria Pires e a atriz australiana Miranda Otto. O contraste entre a morena, intempestiva e comunicativa Lota com a delicada, alva e retraída Bishop é enfatizado em muitos momentos. Vale a ressalva de que, embora sejam personagens reais, houve toda uma criação das atrizes e do diretor. Ao que parece (pelo menos nas fotos), Bishop não era nada bela como Miranda Otto, nem tão pouco parecia  delicada e frágil.

Algo que me chamou a atenção no filme, e que é raro encontrar nas produções daqui, especialmente nas novelas, é que os personagens são mostrados trabalhando. A personagem de Lota trabalha muito, movimenta-se o tempo todo. Bishop também. Entre um copo de uísque e outro, a poeta escreve e re-escreve seus poemas. Nos filmes americanos isso é muito comum, podem reparar. Todos de alguma forma são mostrados ao fogão, ou cuidando do jardim, ou no trabalho, enquanto vivem seus dramas pessoais. 

Na vida real, durante o tempo que estiveram juntas, Lota e Bishop produziram suas obras- primas. Bishop ganhou o prêmio Pulitzer por "North and South" e Lota projetou o Aterro do Flamengo. Como toda relação muito apaixonada, esta não acabou bem (o final do filme, bem dramático, de fato, ocorreu). No entanto, como também enfatizou Calligaris, foi uma relação de amor que permitiu que o melhor de cada uma viesse à tona. Fez com que eu me lembrasse de outra relação passional bastante conhecida, a da artista plástica Marina Abramovic com Ulay. Ulay inspirou (muito, e de forma positiva) a obra de Marina.

Enfim, "Flores Raras" é um filme que instiga. A pensar sobre o amor. A querer ler Bishop. E a aplaudir Glória Pires. De pé.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Repetição

"It's repetition,
I'm coming back to you.
Repetition,
The only thing I can do. "


 ("Repetition", Information Society)


Bill Murray no já clássico "O feitiço do tempo" (1993)

Há um filme emblemático (bastante citado por psicanalistas e também já citado por aqui) que se chama "O feitiço do tempo" (Groundhog Day). Nele, Phill Connors (Bill Murray), um jornalista renomado, um "astro", é obrigado a cobrir "o dia da marmota" (o título do filme, em inglês) em uma cidade pequena do interior, cheia de "caipiras". Contava a lenda que se a marmota (um roedor) saísse de sua toca e olhasse para a própria sombra, o inverno continuaria por muito tempo. Phill acaba fazendo o seu trabalho com imenso pouco caso, esperando ansiosamente para sair dali. Eis que uma nevasca impede sua saída da cidade naquele dia e ele é obrigado a dormir lá. Quando acorda, a surpresa. Ele não está somente preso na cidade que abomina, mas no "pior dia de sua vida". O filme narra as tentativas de Phill para quebrar o feitiço e seus vários posicionamentos diante da repetição. Pergunta Phill: "Mas eu não poderia estar repetindo um dos melhores dias da minha vida? Por que, justamente, o pior deles?"

A (tragi)comédia de Phill Connors, afinal, faz pensar em nossa própria vida.Quantas vezes, especialmente em nossas relações afetivas, nos vemos incorrendo em "reprises"? O filme é antigo, eu não gostei, e cá estou eu sendo o protagonista do velho enredo novamente. Novamente sendo abandonado (a), novamente investindo em relações à distância, novamente "impelido" a destratar quem me ama. Os objetos de amor (ou desamor) são completamente distintos, mas os enredos, ah, os enredos, são bastante similares.

No filme, Phill Connors tenta de todas as formas sair de seu dia ruim: promete casamento, insulta pessoas, tenta até se matar. Depois, tudo continua como se nada tivesse acontecido, nenhuma consequência e o dia ruim começa outra vez. A saída da repetição se dá quando ele se angustia e implica-se nela. "O que, afinal tenho a ver com isso tudo?". Phill consegue quebrar o feitiço, quando, finalmente, consegue se reinventar. Ele quebra sua sina fazendo uso da criatividade e da arte e, por meio desta expressão criativa, pode, enfim, viver o amor.

Em nossa vida, a procura por uma psicanálise se dá justamente quando aquela estorinha que fez, de alguma forma, sentido durante toda a vida, não cola mais. Dá-se, entre outras coisas, quando a repetição torna-se incômoda. Não é destino, não é maldição, não é sina. O que seria, afinal, este algo que me impele a repetir "o mesmo dia"? E, muitas vezes, o mesmo "dia ruim"?


Tal como um livro ou um filme que é assistido várias vezes, também a vida pode ganhar novos sentidos a cada "reprise". Parece a mesma coisa, mas é outra, porque eu estou diferente.Parece a mesma coisa, mas é outra, porque não estou vendo pela primeira vez. Se tudo se parece com uma sucessão de reprises de mal gosto, há algo a se questionar. A vida, afinal, não precisa ser como aquela música grudenta dos anos 80 (e que inicia o post): repetição não é a única coisa que podemos fazer.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Dia do Psicólogo

"A grande família" já foi um dos melhores programas exibidos na tevê aberta. Em um dos seus episódios mais hilários, Marilda (Andréia Beltrão) procura a ajuda de um psicanalista, Sidnei (Bruno Garcia). Vale a pena assistir ao episódio inteiro, mas a última cena (em que Agostinho vai falar com Sidnei) é sensacional. No dia dos psicólogos (essa profissão tão sofrida, especialmente em tempos de Felicianos), é para lembrar e rir.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Aniversário

E este blog completa sete anos. E não é que durou? Agradeço aos três, quatro leitores que permanecem. E aos visitantes eventuais. ;-)

terça-feira, 30 de julho de 2013

Em nome do pai

Existem alguns clichês que sempre foram usados na teledramaturgia e, se bem usados, ainda têm efeito. O mais clássico talvez seja o do triângulo amoroso, presente, invariavelmente, em quase todas as telenovelas. No entanto, um dos clichês mais batidos, e que ainda comove é a questão da maternidade/paternidade desconhecida. Sempre há algum personagem que não sabe quem é seu verdadeiro pai (mãe) e só descobre no final da novela. Geralmente, é alguém de quem muito se gosta, ou que os caminhos sempre estiveram ligados de alguma forma, mas ninguém percebeu. Desde as tragédias gregas, as relações entre mães e filhos/ pais e filhos comovem. Basta lembrar da sempre citada Édipo Rei que, além de trazer o mais trágico triângulo amoroso (pai-filho-mãe), ainda traz o drama de um rapaz que desconhecia suas verdadeiras origens. Édipo crescera sem saber que seus verdadeiros pais eram Laio e Jocasta, e daí todo o desenrolar da tragédia. No ar há poucos meses, a trama de Walcyr Carrasco, "Amor à vida", traz, entre suas tramas centrais, o drama da menina Paulinha que descobre que sua verdadeira mãe é a namorada do pai, Paloma (Paola Oliveira), que tivera sua filha roubada ainda bebê. O que o texto de Walcyr traz de mais inovador  talvez seja a questão do pai. Bruno (Malvino Salvador) não é o pai biológico de Paulinha, mas busca a legitimação de sua paternidade.

Há muitos anos, as novelas, que têm um público majoritariamente feminino, abordam a questão da maternidade. Regina Duarte, por exemplo, viveu duas mães especialmente marcantes. Uma delas foi Raquel Acioly, em "Vale Tudo"(88/89), que titubeava em aceitar que a filha, Maria de Fátima (Glória Pires) era uma tremenda mau-caráter. A outra foi Helena, em "Por Amor"(1997) que trocava o seu próprio bebê vivo, pelo bebê morto da filha, Maria Eduarda (Gabriela Duarte) para que esta não sofresse. Entre as tramas de Manoel Carlos, há ainda a Helena de Vera Fischer, que engravida novamente de um antigo namorado para que a filha, Camila (Carolina Dieckman), com leucemia, tivesse um possível doador. Isso sem falar das novelas mais antigas, como "Irmãos Coragem" (70/71), em que Sinhana (Zilka Salaberry) zelava pela família com mãos de ferro, ou de "Dona Xepa" (1977), em que uma feirante cuidava sozinha dos filhos. Um dos romances brasileiros mais famosos cuja protagonista é uma sofrida mãe ("Éramos Seis", de Maria José Dupré) ganhou três adaptações para a televisão, a última em 1994, pelo SBT, com Irene Ravache.

Um LP da trilha internacional de "Pai Herói"

Em relação à figura paterna, uma das novelas mais bonitas já exibidas na Rede Globo foi uma trama de Janete Clair, "Pai Herói" (1979) cuja abertura e trilha sonora marcaram época. Quem não se lembra da música "Pai" de Fábio Júnior, tema de abertura? Tony Ramos era André Cajarana, o filho que batalha para salvar a imagem do pai morto, Malta Cajarana (Lima Duarte), que era tido como criminoso. É o tal "Pai Herói" do título.

Embora não seja propriamente inédita, a briga de um pai pelo direito de criar a filha adotada ilegalmente, tema abordado em "Amor à vida" poderia trazer uma discussão e tanto. No entanto, a novela traz alguns problemas que impedem que o tema se desenvolva mais. Malvino Salvador é esforçado, mas não segura o papel de protagonista. Bruno, o corretor de imóveis certinho, acabou se tornando um personagem chato. O texto de Walcyr Carrasco não ajuda. É repetitivo e fraco; tem-se a impressão, apesar da trama se passar em dias atuais, que estamos assistindo a uma novela mexicana. Como dizem no twitter, Glória Magadan deve estar batendo palminhas no túmulo. A critério de comparação, Tufão, o personagem de Murilo Benício em "Avenida Brasil" (2012) era um pai adotivo muito mais crível. Suas cenas com Jorginho (Cauã Reymond) conseguiam fazer chorar.

Em suma: novela pode ser coisa séria e, assim como as tragédias gregas, abordar temas que afligem a humanidade há séculos. Elas podem falar do mesmo tema repetidas vezes e ainda conseguirem emocionar. No entanto, texto é fundamental. Que venham mais novelas que abordem a questão da paternidade nos dias atuais, um tema tão delicado. E com alguma profundidade, por favor.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Sobre a eroticidade das palavras...

"Não foi à toa que Adélia Prado disse que "erótica é a alma". Enganam-se aqueles que pensam que erótico é o corpo. O corpo só é erótico pelos mundos que andam nele. A erótica não caminha segundo as direções da carne. Ela vive nos interstícios das palavras. Não existe amor que resista a um corpo vazio de fantasias. Um corpo vazio de fantasias é um instrumento mudo, do qual não sai melodia alguma. Por isso, Nietzsche disse que só existe uma pergunta a ser feita quando se pretende casar: "continuarei a ter prazer em conversar com esta pessoa daqui a 30 anos?" (Rubem Alves)

domingo, 21 de julho de 2013

No divã do facebook




Não é de hoje que o facebook se transformou em um imenso divã. Queixa-se, chora-se, defende-se o time do coração, lamenta-se pelo amor perdido, reclama-se do chefe, instauram-se suspenses. Adicionam-se. Bloqueiam-se. Naquele espaço virtual, somos todos um pouco pacientes, um pouco terapeutas de botequim. Analisam-se não só os conteúdos, mas os silêncios. Se postou, é porque postou. Se não postou, o que houve? A pergunta é: até que ponto se expor? Se a comunicação face a face já é falha, imagine só no espaço virtual, NO face. Que atire a primeira pedra quem nunca citou Clarice Lispector ou quem nunca cometeu um dos pecados abaixo:

- As Indiretas - você é eternamente responsável por aquilo que posta, mas não por aquilo que entendem. Indiretas são complicadas porque você pode atirar naquilo que viu e acertar no que não viu. Não é mais fácil mandar uma mensagem inbox? Não. Indireta legítima deixa pública a sua insatisfação com alguém e pode ganhar solidariedade e aplauso de outras pessoas. Geralmente a indireta fala de invejosos, que são sempre os outros. De gente competitiva, que são sempre os outros. De uma pessoa que sumiu, "mas que ainda vai dar valor, mas aí você não vai querer mais". De uma pessoa que você quer dar um toco público. Seja como for, as indiretas ainda fazem a festa no facebook.

- As Diretas - são as mais complicadas, mas menos comuns. Dão o nome, às vezes marcam o nome e sobrenome. A verdadeira lavação de roupa suja na praça pública do face. E aí um monte de gente pode se meter. Ou silenciar, o que pode ser ainda mais constrangedor.

- As frases de suspense - Costumam ser uma prerrogativa feminina, mas já vi homens e mulheres fazerem uso das famosas reticências. Pode ser um simples: "Triste..." Ou ainda: "E quando você imaginava que nada mais pudesse acontecer..." As reticências podem estar ausentes, mas o suspense, sempre, ele fica no ar. O suspense pode ter um efeito imenso, especialmente se a pessoa não costuma fazer uso dele. Pode dar a entender algo bom, ou algo ruim. A intenção pode ser variada, mas geralmente causa curiosidade. Perguntas como "mas o que aconteceu, amiga?" são muito comuns após a famigerada frase enigmática.

- As afirmativas - Frases que dizem que você vai reagir, que você é forte, que é positiva (o), que nada lhe abate. Que você briga, que pode, faz e acontece. E que amanhã é outro dia. São as frases do tipo "Vaiesedermedovaicommedomesmo".

- As confessionais - Geralmente, trazem uma história de vida. Não é uma simples frase, mas uma narrativa. Pode ser uma lamentação. Pode ser uma homenagem. Podem ser comoventes de ler. Podem ser um saco. 

Talvez não seja fácil delimitar o quanto uma exposição da vida privada em uma rede social seja "saudável" ou não. Cada um administra sua conta no facebook como quiser, seja no que escolhe contar, seja no que escolhe ler. Que pode ser um imenso espaço catártico? É claro que pode. Nunca se viu tantos adultos carentes de atenção em um só espaço. O grande problema, talvez, sejam os ruídos de comunicação, que são inúmeros, o que pode trazer uma imensa confusão. E às vezes, como diria o velho Freud, um charuto é só um charuto. Uma música de fossa é só uma música de fossa. Uma frase do Guimarães Rosa é só uma frase de Guimarães Rosa. Uma curtida em uma foto é só uma curtida em uma foto. Nenhum sentido oculto por trás. Nenhum.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Beijo


Não quero o primeiro beijo:
basta-me
o instante antes do beijo.
Quero-me
corpo ante o abismo,
terra no rasgão do sismo.
O lábio ardendo
entre tremor e temor,
o escurecer da luz
no desaguar dos corpos:
o amor
não tem depois.

Quero o vulcão
que na terra não toca:
o beijo antes de ser boca.

(Mia Couto, no livro "Tradutor de chuvas")

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Mas as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão...

Ela tinha noventa anos e ainda conservava o que havia sido uma de suas marcas registradas: o senso de humor. Minha avó Alzira não costumava levar as coisas a sério; nem ela mesma, nem a velhice, nem a morte. Os olhos azuis miúdos mantinham a leveza dos vinte anos e, por isso mesmo, era comum olharmos para ela como uma menina. Eram estes olhos que gostavam de contemplar o que era belo, fosse um vestido, uma casa ou mesmo um rapaz. Namorar, para ela, era das coisas mais importantes da existência. Na última vez que a vi, é claro que ela me perguntou dos namorados. E contou que havia comprado uma bolsa nova (e bonita). E mostrou o álbum de fotos dos irmãos e dos netos (todos "lindos"). E fez tudo isso outra vez, e outra e outra. No entanto, chamou-me pelo nome: ela sabia que eu era a "Lê". Minha avó ainda estava ali.

Há algumas semanas, no entanto, ela começou a ir embora. Raramente abria os olhos e estava angustiada, ela que passou a vida sem conhecer a angústia. Não reconhecia as pessoas, chorava, não conseguia dormir. Eu hesitei em ir vê-la. Queria lembrar dela me mostrando a bolsa nova. Em pura negação, eu pedi a minha mãe: "Quando ela voltar a reconhecer as pessoas, você me avisa?". E minha mãe, como quem fala com uma criança: "Filha, sua avó mal consegue abrir os olhos...."
 
Dona Alzira morreu, de fato, na semana passada. Já tinha partido antes, mas sempre havia uma esperança de melhora, de que ela voltasse a ser o que era, que voltasse a gargalhar, mesmo que os dados de realidade apontassem justamente o contrário. A morte de minha avó fez com que eu pensasse em outras mortes, pequenas delas que vivemos em vida e de como é difícil lidarmos com elas. Amizades que fizeram sentido em uma época, mas que agonizam, empregos que sobrevivem respirando "com ajuda de aparelhos", relações amorosas que se alimentam da nostalgia de um tempo "bom" que passou. Até quando manter a vela "acesa"? Quando é hora de apagá-la? Enquanto houver esperança de "cura", o luto não se faz.
 
Quando somos crianças, os personagens de desenhos animados explodem com dinamites, mudam de forma e cor, caem de precipícios, mas reaparecem sãos, salvos e inteiros, como se nada tivesse acontecido. Cedo aprendemos (e devemos aprender) que na vida adulta não é assim, embora haja esta dificuldade toda de resignação. Algumas coisas são irreversíveis. Vasos quebrados às vezes não colam, pessoas queridas vão embora e não voltam. Tão simples e tão comum, mas tão difícil. Resta a saudade, esta coisa doída que afinal pode ser uma coisa boa.  E eu já tenho saudade (muita) da alegria infantil da minha avó.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Apostas

"A confiança é um ato de fé, e esta dispensa raciocínio" (Carlos Drummond de Andrade)


Foi em Novembro do ano passado. Estava a caminho do trabalho como de hábito, quando meu carro parou. Falta de gasolina, constatei, um motivo besta e vergonhoso. Era uma rodovia e faltavam alguns quilômetros para que eu chegasse ao posto de combustível mais próximo. Sol a pino, salto sete. Quem mandou ser distraída? Ninguém parava para ajudar. Eis que um rapaz de bicicleta me aborda. Rapaz, na verdade que deveria ter uns trinta anos, com corpo e cara de cinquenta. Imediatamente me encolhi, como é meu costume. Percebi que havia lido a oferta de ajuda como um perigo e não como uma salvação para a situação ridícula em que me encontrava. "Ajuda, moça?" - ele insistiu. Eu ensaiei um sim. Ele disse que poderia buscar gasolina no posto mais próximo se eu quisesse. Precisava somente de um dinheiro para a gasolina, nada além. Peguei vinte reais na carteira enquanto vivia um pequeno dilema. O conflito valia vinte reais, mas talvez bem mais que isso. Aquele desconhecido iria pedalando debaixo de um calor senegalês para buscar gasolina, ou iria embora com o dinheiro? Fiz, internamente, a aposta. Sim, ele iria me ajudar. Aí, enfim, dei os vinte reais e resolvi aguardar. Critérios subjetivos me guiavam. Os olhos dele. Eram olhos bons, pensei. Mas quem vê olhos, vê coração?

Recentemente, quando a novela "Caminho das Índias" estava no ar, Glória Perez quis abordar o tema "psicopatia" através do personagem Irene, de Letícia Sabatella. Ao mesmo tempo, pipocavam reportagens na internet e em revistas dizendo "que o psicopata pode estar ao seu lado" e "como identificar se (seu namorado, colega de trabalho, etc) é um psicopata". Foi uma verdadeira "epidemia de psicopatas". Como se a paranóia já não existisse em algum grau. Maus e invejosos são sempre os outros, basta observar em muitas das frases postadas no facebook.

Uma amiga querida costuma dizer que a maioria das pessoas é digna de confiança até que se prove o contrário. Sair por aí esbravejando que o mundo é cruel e que as pessoas, em sua maioria, são más é algo um tanto quanto surreal para ela. Desilusões amorosas e intriguinhas de amigos fazem parte da vida. Equívocos entre pessoas que se gostam, falhas de comunicação, fofocas? Acontecem. Assim como quando muitas pessoas mentem quando estão seduzindo e tentando conquistar alguém. Mentiras no ritual de conquista fazem parte da mise en scène e não necessariamente tornam alguém um monstro. Mesmo porque mentiras sinceras às vezes interessam. FATO.

Mas e aí, onde está a maldade? É claro que há pessoas ruins que gozam com o sofrimento alheio. Há inveja daquela pérfida (que não a "invejinha" do cabelo da amiga), há traição de confiança em sua forma mais hedionda, há pessoas que QUEIMAM outras, literalmente. E aí, se você não sabe muito bem quem é o outro, você aposta em quê? Que ele vai te queimar?

Penso que se não apostamos que algo será bom (ou que alguém tem boas intenções), não fazemos nada, não há movimento, mas paralisia. Não saímos de casa em uma cidade grande, não iniciamos um relacionamento, não mudamos de emprego, não estudamos para o vestibular. Há apostas de alto risco, assim como apostas de baixo risco. Podemos apostar tudo, podemos apostar um pouquinho. Há pessoas que apostam a vida. Há pessoas que não conseguem mais apostar. Em Novembro do ano passado, em meio a outras tantas apostas, eu apostei vinte reais. Aquele "rapaz velho" me trouxe a gasolina e eu cheguei a tempo no trabalho. Ele estava desempregado há meses, mas não quis nada em agradecimento. Se ele tinha, de fato, olhos bons ou se era o meu desejo de que ele tivesse o tal "bom coração", eu não sei.


 PS: Tá parecendo post de auto-ajuda, mas vou postar mesmo assim. Paulo Coelho feelings ;-)


quinta-feira, 27 de junho de 2013

Adoro um amor...inventado?

"O amor é uma crença emocional e, como toda crença, pode ser mantida, alterada, dispensada, trocada, melhorada, piorada ou abolida. O amor foi inventado como o fogo, a roda, o casamento, a medicina, o fabrico do pão, a arte erótica chinesa, o computador, o cuidado com o próximo, as heresias, a democracia, o nazismo, os deuses, as diversas imagens do universo. Nenhum de seus constituintes afetivos, cognitivos, ou conativos é fixo por natureza." (Jurandir Freire Costa)


As maiores estórias de amor são sobre desencontros, eu li uma vez. De "Romeu e Julieta", passando por "Casablanca" e "As pontes de Madison", ninguém resiste ao drama de um casal que se separa no auge da paixão (por morte, por impossibilidade, pela guerra, por neurose, whatever). O romance impossibilitado torna-se, na promessa do que não foi, encantado. Em lembranças, torna-se a própria representação da felicidade perdida.  Ah, se eu estivesse com ele (ela), aí sim eu seria feliz. Será? "Antes da meia noite", último filme da trilogia dirigida por Richard Linklater e estrelada por Julie Delpy e Ethan Hawke, faz troça do amor romântico, brincando com a promessa do casal perfeito.

O casalzinho "fofo" de "Antes do Amanhecer"
O primeiro filme "Antes do Amanhecer" (de 1994) conta o encontro (e desencontro) do jovem casal em um trem na Europa. Ambos têm vinte e poucos anos e resolvem passar o dia todo em Viena, descobrindo a cidade e trocando idéias sobre a vida. Apaixonam-se, mas se separam, combinando de se reencontrarem seis meses depois. Ela, Celine, não aparece. Ele, Jesse, escreve um livro sobre o mágico encontro dos dois em Viena. No segundo filme, "Antes do pôr do sol" (de 2004), Jesse lança o livro e Celine vai, enfim, encontrá-lo. Em Paris, eles  passeiam pela cidade e contam um para o outro o que fizeram ao longo dos anos em que ficaram separados. No fim do filme, o suspense: eles, enfim, ficariam juntos? A resposta vem com o último filme, lançado agora: sim, eles se casaram e tiveram duas filhas gêmeas. E Jesse não resiste a olhar uma bunda de mulher, assim como Celine engordou e tem queda de cabelos. O filme é, sem dúvida, um tapa na cara do amor romântico e, por isso mesmo, talvez o melhor da série.

O amor romântico, que é uma criação do século XVIII, ainda permanece em nossos dias como um fim a ser alcançado e como sinônimo de felicidade. Acredita-se que quem não ama romanticamente, não ama "de verdade" e que, se o amor acaba, é porque "não era amor". O casamento ainda aparece como a coroação do "amor verdadeiro" e, por isso mesmo, implica muitas espectativas. Quanto maiores as espectativas, maiores são as frustrações e, por isso mesmo, muitos casamentos se transformam em um mar de ressentimentos cumulativos. Celine e Jesse viveram um encontro mágico eternizado em livro (Jesse, inclusive tem vários fãs por conta disso). No entanto, o  que eles vivem no casamento, quase vinte anos depois, está bem longe de "magia" e encantamento.

O espectador é convocado, a quase todo o tempo, a ser um terapeuta de casal. É fácil observar onde estão as feridas da relação e as falhas de comunicação. Um diz A, o outro entende B. Os dois concordam no mesmo ponto e discutem justamente por isso. Há toda uma série de mágoas pelo que foi renunciado ao longo dos anos para que eles ficassem juntos. Quem, afinal, renunciou "mais" e investiu "mais" no relacionamento?


Um casal em crise em "Antes da meia noite"

Julie Delpy e Ethan Hawke, o casal de protagonistas, são amigos de longa data. Os dois atores, inclusive, são co-autores do roteiro. Isso, sem dúvida, dá maior verossimilhança aos diálogos e a química entre os dois é impressionante. O fato de envelhecerem na frente das câmeras é algo que chega a ser comovente. Julie Delpy aparece quase sem maquiagem e aparenta a idade que tem, com todas as rugas e quilos a mais. Ethan Hawke, que era um menino, aparenta muito mais idade. Ainda assim, as cenas de sexo (fundamentais neste filme) são muito mais explícitas do que nos dois primeiros da trilogia.

"Antes do pôr do sol" é um filme que vale a pena. Apesar dos desencontros entre o casal, há diálogos deliciosos que são somente possíveis entre pessoas que tem intimidade e familiaridade. Os dois discutem e se ferem, mas riem e também se divertem. A cena em que Celine finge ser burra para conquistar Jesse é hilária. É isso, talvez, que diferencie este enredo  do de outros filmes que falam da deterioração de um casamento ( como "Blue Valentine" e "Foi apenas um sonho"). O ideal de amor romântico é tirano, mas é possível sobreviver a ele. E melhor: é possível criar outras formas de amar.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Viva la Revolucion!

Eu nasci nos anos 70. Naqueles tempos, o Brasil ainda estava sob domínio de um regime ditatorial e militar. Não foram os tempos mais duros da ditadura, mas os programas de televisão (inclusive novelas e shows) somente eram exibidos depois de passarem por censura. Lembro-me bem do documento da censura federal que antecedia o início dos programas, ainda que eu não entendesse o porquê daquilo. Na escola, tudo o que eu deveria aprender (e decorar) era a ordem dos presidentes do Brasil até aquele momento. O que eu sabia era que os presidentes tinham nomes estranhos para uma criança (como Garrastazu Médici e Geisel). O último (com nome mais fácil) era o Figueiredo, cuja semana eu sempre acompanhava pela TVS (atual SBT), nos intervalos do programa Domingo no Parque. "A Semana do Presidente" era um boletim semanal narrado pelo Lombardi.

"Atenção senhores pais: terminou o horário permitido para menores de doze anos"
Os anos 80 foram especialmente difíceis. Tancredo Neves era a esperança de novos tempos, apesar de ter sido eleito em uma votação (ainda) indireta. Aí veio o governo Sarney e seus milhões de pacotes econômicos e moedas. O ítem mais importante em qualquer casa de classe média era o freezer, pois tínhamos de fazer estoque de comida, especialmente de carne. Por conta da hiperinflação, um mesmo produto poderia ter dois, três preços no mesmo dia. Assim sendo, fazíamos aquelas compras imensas no supermercado para durar no mínimo dois meses. Era a forma de economizarmos. Refrigerante, cereais, iogurte e bolacha recheada eram puro luxo. Caríssimos, só eram consumidos em dias especiais. Nem toda casa tinha linha telefônica; extensão no quarto só em casa de gente rica. Muitas vezes um filme ficava na máquina fotográfica por mais de um ano, esperando para ser revelado. E quando era, a surpresa: muitas fotos mal tiradas e as fotos-mico que hoje não existem mais.

Aí veio Fernando Collor de Mello, o jovem desconhecido de Alagoas "vendido" como o "caçador de marajás". Após anos de sofrimento, finalmente vieram as tão sonhadas eleições diretas e Collor ganha de Lula, no segundo turno, em 1989. Em meio aos escândalos de corrupção, além da crise econômica do governo Collor, a rede Globo (ironia) exibiu, em 1992, uma minissérie chamada "Anos Rebeldes" (atualmente em reprise no canal VIVA). A minissérie contava o romance entre uma jovem "alienada" Maria Lúcia (Malu Mader) e um rapaz engajado com a luta armada nos anos 60 e 70, João Alfredo (Cássio Gabus Mendes). No entanto, quem roubou a cena foi Claudia Abreu, com sua Heloísa, a patricinha que se transforma em guerrilheira. Encantada com Heloísa, fui estudar mais sobre a ditadura militar, não só no Brasil. Muitos outros adolescentes fizeram o mesmo. O movimento dos "Caras-Pintadas", um movimento predominantemente jovem e com um objetivo pontual (tirar um presidente) foi fortemente influenciado por uma minissérie global (da mesma Globo que encobrira militares e que tinha ajudado a eleger Collor, anos antes). Saímos às ruas ao som de Roda Viva, o clássico de Chico Buarque de 1967.  Não tenho nenhum registro fotográfico da época pois não tínhamos a dimensão de que era um fato histórico. Naqueles tempos, ao contrário de hoje, era preciso acontecer algo importante para tirarmos fotografias. Após a votação do impeachment de Fernando Collor, em Setembro daquele ano, todos comemoramos e acabou aí. Presenciei muita gente engajada no movimento dos Caras Pintadas, mas alguns íam às manifestações pela festa. Os hinos do "Fora Collor" eram muito engraçados. As manifestações foram pacíficas e sem confronto com policiais.
A economia estabilizou-se após 1994. No entanto, os escândalos de corrupção nos governos FHC e Lula foram se tornando cada vez piores e mais explícitos. Fui eleitora de Lula e do PT por muitos anos, mas Luiz Inácio da Silva e sua quadrilha fazem Collor, hoje, parecer um ladrão de galinhas.

Não sou mais uma criança que só sabe pedaços de uma história mal contada, nem tão pouco uma adolescente idealista. Eis que no dia 17 de Junho de 2013, mais de vinte anos depois do "Fora Collor", eu presencio o povo sair às ruas em um movimento grandioso, por todo o Brasil.  Parece-me algo muito, mas muito maior do que o "Diretas Já" e as manifestações dos "Caras-Pintadas". Hoje temos a internet a nosso favor. Acompanhei pelo twitter as discussões se o movimento deveria ou não ter pauta, bem como se deveriam ser em avenidas importantes as manifestações. Alguns diziam que pauta era coisa de reunião de condomínio, outros queriam deixar as coisas mais organizadas. O que importa é que o aconteceu. Foi bonito de ver. Seja por tarifa zero ou não, o recado foi dado. Estamos todos insatisfeitos com o que tem sido feito do Brasil até então. Não há um sistema de saúde decente, não há transporte bom, não há educação, não há segurança. Que nos impliquemos, enfim, de corpo, alma e voz. Qual é, afinal, a parte que nos cabe?

segunda-feira, 10 de junho de 2013

O que se perde quando se perde alguém?

"O que se perde quando se perde alguém? Não perdi nesta ou naquela característica o ser amado. Não é porque minha mulher tinha aquele tom de cabelo ou a suavidade nas mãos que eu a amava. Por mais que faça a lista de seus atributos, sempre haverá um que resta descrever. Por outro lado, cada elemento desta lista de atributos pode ser encontrado às dúzias no mundo. O que houve? Em uma primeira resposta, diremos que a morte levou consigo a possibilidade disso tudo estar reunido. Esta possibilidade acrescenta-se subtrativamente à série de traços, pois não é em si um atributo, mas pura suposição. Podemos então acrescentar à série de traços, este indizível a-mais. É exatamente este a-mais que se perdeu. Em outras termos: o que se perdeu é sempre impossível de se esgotar com uma nomeação" (Marcus André Vieira)

domingo, 21 de abril de 2013

A outra estória da Barbie...

Descobri, recentemente, que Barbie, a boneca, foi inspirada numa boneca alemã, Lilli. Lilli não era uma boneca para crianças, mas uma espécie de  pin-up tridimensional destinada ao público adulto masculino. A partir dos anos 50, portanto, as meninas que até então brincavam com bonecas-bebês encenando cuidados com "filhinhos de mentira", passaram a encenar fantasias amorosas a partir de um brinquedo inspirado em uma boneca erótica. Barbie é uma mocinha sexy (cabelos fartos, um sorriso constante, seios grandes e uma cintura inimaginável). Ela tem um namorado bonito (Ken), muitos vestidos e pode ter várias profissões. Ultimamente, Barbie tem aparecido também nas versões princesa (Bela, Bela Adormecida, Branca de Neve). O fato de um brinquedo infantil de meninas ter partido de um brinquedo adulto erótico abre discussão para importantes questões.

Barbie com olheiras e sem photoshop: uma brincadeira com a suposta perfeição da boneca

Apesar dos critérios de beleza mudarem ao longo das décadas, a mulher magra e jovem (muito parecida com a Barbie) é um modelo contemporâneo a ser buscado. Com mais curvas ou menos curvas, magreza,beleza e juventude acabam sendo referências imaginárias associadas ao "sucesso profissional" e realização afetiva e sexual. Logo, se você está acima do peso (e da idade) terá menos chances de ser amada. Meninas vão aprendendo isso desde a mais tenra idade. Além da Barbie, também as princesas são lindas, jovens e magras. Aliás, a maioria das princesas são amadas justamente por serem muito bonitas (a mais bela do reino, a mais bonita do baile). Duas trazem Bela no nome: "A Bela Adormecida" e Bela (da "Bela e a Fera"). Elas são passivas em grande parte e esperam a chegada do príncipe que as salvam de uma realidade cruel. Quando lutam, lutam pelo amor do mocinho ("Pequena Sereia", "A princesa encantada"). Ou ainda entram em uma luta para salvar o pai, mas, no caminho, encontram o amor ("A bela e a fera", "Pocahontas" e "Mulan"). Por mais que nas estórias dos meninos também seja comum acontecerem relações amorosas (os super heróis, por exemplo, sempre têm uma namorada), não é este o fato principal. Os heróis lutam contra o crime organizado, querem salvar o mundo, querem se divertir com super podereres e TAMBÉM namorar.

Na falta, ou mesmo na dificuldade de encontrar uma definição para si, uma identidade, ainda hoje, muitas vezes, uma mulher espera do parceiro, como um espelho, poder captar uma imagem que possa informar algo sobre a sua identidade. Por essa razão, no discurso feminino, o ideal amoroso é tão presente: pois quando amada, sabe que é algo importante para alguém - o que já é uma certeza. As estórias infantis dizem isso. O final feliz vem, contanto que as princesas estejam acompanhadas de seus príncipes.

Mulheres apresentam, hoje, mais casos de anorexia e bulimia que os homens. Isso pode ser explicado de diversas formas, mas alguns dos dados apresentados acima ajudam a compreender uma melancolia que é tipicamente feminina. Quando se perde um objeto de amor, perde-se também uma identidade como mulher? Quem sou eu, se ele não me deseja, se eu não tenho um amor, se não tenho o "reconhecimento" pelos olhos de um "príncipe"?  Para pensar.


* alguns dados deste texto foram retirados do artigo "Uma melancolia tipicamente feminina" de Rosane Monteiro Ramalho, psicanalista. Aliás, um artigo que deve ser lido na íntegra.
** Barbie, vejam só, possui uma biografia não autorizada: Forever Barbie: The unauthorized biography of a real doll, de M.G. Lord
*** quem gostou deste texto, poderá também gostar deste: http://letrasdelets.blogspot.com.br/2012/01/sobre-cafajestes-e-princesas.html

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Qualquer forma de amor valerá

Qualquer maneira de amor vale aquela
Qualquer maneira de amor vale amar
Qualquer maneira de amor vale a pena
Qualquer maneira de amor valerá
 (Caetano Veloso)

Germain (Gerard Depardieu) e Margueritte (Gisèle Casadesus)
"Minhas tardes com Margueritte" é um filme que conta uma estória de amor. Entre um cinquentão iletrado e "tosco" (Gerard Depardieu) e uma mulher idosa, delicada e erudita. Pela diferença de idade entre os protagonistas e pela relação incomum, o filme me fez lembrar "Ensina-me a viver" (1971). No entanto, as semelhanças param por aí.

Gerard Depardieu é um bom ator e, assim sendo, faz você se esquecer  dos personagens anteriores que ele interpretou, bem como de sua "persona" fora das telas. O ator é conhecido pelos seus escândalos e bizarrices off-screen, mas isso não o impede de ser um grande intérprete. Com seu físico de Obelix, ele conseguiu compor um Germain doce e encantador em "Minhas tardes com Margueritte". Germain tem uma namorada jovem, bonita e carinhosa, mas é com a velhinha Margueritte (Gisèle Casadesus) que ele vivencia, de fato, um Encontro. Margueritte torna-se a interlocutora que ele jamais teve. Através de suas tardes com ela, ele pôde descobrir a leitura, além de ouvir a si mesmo de uma maneira que nunca ocorrera.

 Na verdade, costumo gostar muito de enredos que contam estórias de amor construídas pouco a pouco. Novelas e filmes que fazem uso deste expediente costumam ser mais interessantes do que obras que apelam para o tal "amor à primeira vista". Na verdade, costumo gostar de estórias de amor construídas, não necessariamente românticas. Há inúmeras formas de amor e de amar. Estórias de amor entre irmãos. Entre empregado e patrão. Entre amigos. Entre netos e avós. Entre desconhecidos. Da mesma idade. De idades diferentes. Que duram uma vida. Que duram um dia.

Houve uma época em que estava muito em moda livros que falavam de "Almas Gêmeas" e terapia de vidas passadas. Aliás, este é um tema que atrai muita gente, em qualquer tempo. Não acredito na tal "metade da laranja, carne e unha, bate coração", como diria o Fábio Júnior. No entanto, algo que li em um desses livros fez algum sentido. Há pessoas que você encontra que promovem um certo "momento de virada" na sua vida. São encontros especiais, que mudam algo. Depois do tal encontro, algo foi aprendido, algo foi ensinado, uma transformação ocorre. No meu entendimento, não se trata de destino ou qualquer coisa do tipo, são os tais encontros felizes que, se você tiver sorte (e abertura para isso), podem acontecer mais de uma vez.

Germain e Margueritte vivem um desses encontros especiais, e é comovente de se ver. Uma parte da França em  nada glamourosa, protagonistas que poderiam ser seu tio ou sua avó, e uma riqueza de roteiro. "Minhas tardes com Margueritte" é, sem dúvida,  uma estória que vale a pena escutar.



quarta-feira, 27 de março de 2013

Pequenas (grandes) coisas que irritam

Este post nasceu de uma irritação. Será publicado tardiamente, uma vez que o primeiro esboço veio no dia 08 de Março. Na verdade, o tal dia internacional da mulher me irrita há anos. Não exatamente o dia, mas o que ele se tornou. Ironicamente, o que era para ser uma data para lembrar e comemorar as conquistas femininas (e feministas) dos últimos anos, virou um dia de afirmação machista. E as redes sociais (facebook, twitter) desvelam esse machismo de forma escancarada através das piadas e (pasmem) das ditas homenagens postadas.

O dia Internacional da Mulher surgiu em virtude de um acontecimento em 1857. Operárias de uma fábrica de tecidos de Nova Iorque fizeram uma grande greve.Ocuparam a fábrica e começaram a reivindicar melhores condições de trabalho, tais como redução na carga diária de trabalho para dez horas (as fábricas exigiam 16 horas de trabalho diário), equiparação de salários com os homens (as mulheres chegavam a receber até um terço do salário de um homem, para executar o mesmo tipo de trabalho) e tratamento digno dentro do ambiente de trabalho.A manifestação foi reprimida de forma violenta; as mulheres foram trancadas dentro da fábrica, que foi incendiada. Cerca de 130 tecelãs morreram carbonizadas. Somente em 1975, através de um decreto, a data foi oficializada pela ONU (Organização das Nações Unidas) como o dia Internacional da Mulher. Em muitos países a data é comemorada com debates e conferências para discutir o papel na sociedade atual, o que foi conquistado e o que ainda tem muito chão para melhorar.

E daí o que mais se vê no Brasil são flores. Nada contra receber rosas, kit-manicure, bombom com um bilhete ("hoje você pode") e o escambau. O duro é perceber que séculos depois daquelas trabalhadoras morrerem de forma horrenda porque reivindicavam condições melhores de trabalho, as principais  associações que se tem com  o dia da mulher é a cor rosa, as dificuldades com uma unha quebrada, a TPM e a chapinha. Reduzir a mulher a isso é ultrajante. Onde estão os debates sobre as causas femininas? Tudo o que eu vejo, especialmente em cidades do interior, são desfiles de moda com sorteios de brindes e bingo. Poucos debates.


Isso lá é homenagem, minha gente??
Outra coisa que me incomoda é o enaltecimento. Nem sempre é por mal, mas às vezes cheira a formação reativa.  Dizer que "você, mulher, mãe, bela, que se sacrifica, que tem tripla jornada, blá, blá, blá, whiskas sachê, o que seríamos de nós sem vocês, yadda, yadda" é por demais irritante. Nem toda mulher é mãe, nem tem tripla jornada, nem se sacrifica. E às vezes são pessoas muito bacanas. E outras que fazem tudo isso, mas nem por isso se assemelham a Nossa Senhora de Fátima. Assim como tem mulheres que nunca geraram uma criança, mas exercem a maternagem como ninguém. E outras ainda que tem uma pá de filhos e não podem ser chamadas de mães. Simplesmente porque não são.

E os parabéns? Talvez eu mereça receber congratulações pela mulher que venho me tornando, mas não por ter nascido biologicamente mulher. Há muita mulher por aí que não merece cumprimento algum por este dia uma vez que, além de não colaborar em nada com as conquistas feministas, ainda engrossam o coro do machismo e do preconceito.

Acredito que toda causa, por mais legítima que seja, cai em descrédito quando beira o fanatismo. Resolvi usar este espaço para afirmar, sim, que existe machismo ainda e ele maltrata e fere. Não preciso ser chata, nem fanática para sustentar esta tese. Você é machista quando diz que  o homem que sai com muitas é pegador e mulher que sai com vários é biscate. Que um homem em seus quarenta anos é um solteirão cobiçado e bon vivant e a mulher, com a mesma idade, é encalhada. Que uma mulher está mal humorada porque é "falta de macho" e por aí vai. Digo mais: um homem que ajuda a mulher a lavar a louça não é bonzinho, ele não faz mais que a obrigação. Se um casal divide uma casa e os dois trabalham fora, não é dever só da mulher cuidar da casa e da cozinha. A não ser, veja bem, que ela queira.

É isso. Falar (escrever) faz bem. Receber rosas é, sim, uma delícia,  mas elas não podem vir sozinhas. Mulheres e homens são diferentes, mas devem ter direitos iguais. Bandeira antiguinha, mas ainda válida. Muito válida.

* post inspirado nos textos da Clara Averbuck, cujo blog é recomendado ali ao lado.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Lindo, mais que demais...

Em uma dessas entrevistas na tevê, perguntaram a Luiz Fernando Guimarães o que ele ainda queria da vida, depois de tanto sucesso. Se não me engano, era final dos anos 90, início de 2000, quando o ator estava em alta. Ele respondeu, sem pestanejar: "Eu queria ser lindo. Eu queria que as pessoas olhassem para mim e dissessem, de boca aberta: como você é lindo!" Vera Fischer, a deusa, deve ter ouvido isso durante toda a vida. Diz a lenda que a atriz, no auge da beleza, era aplaudida de pé quando adentrava nos lugares públicos do Rio de Janeiro. Não importava se ela estava com uma peça em cartaz ou no ar com alguma novela. Vera era aplaudida simplesmente por ser linda. Tratava-se de uma verdadeira aparição. Luiz Fernando Guimarães e Vera Fischer são figuras que vieram na minha associação livre. Na verdade, ando a pensar no ônus e no bônus da beleza extrema. Ou simplesmente no papel da aparência física no curso da vida. Um filme recente me trouxe reflexões a esse respeito, obrigando-me a pensar os meus próprios preconceitos.


Vera Fischer "como uma deusa"

"O lado bom da vida" (2012), filme indicado ao último Oscar em várias categorias (inclusive melhor filme, ator e atriz), é a adaptação do livro "Silver linnings playbook". Conta o drama de Pat, o protagonista vivido por Bradley Cooper, que sai de um hospital psiquiátrico após oito meses de internação. O diagnóstico que é dado ao rapaz é de transtorno bipolar. Ele havia entrado em grave crise após descobrir a traição da esposa. Durante o filme acompanhamos a volta de Pat ao cotidiano familiar e ao convívio de amigos e vizinhos, bem como o reencontro com Tifanny, uma jovem viúva. Tiffany, assim como Pat, havia descompensado diante de uma perda (a morte do marido), tendo importantes prejuízos sociais e afetivos. Em resumo, o filme conta a construção de um relacionamento entre duas pessoas emocionalmente feridas. A forma como é contada esta estória é interessante, embora o filme faça uso de alguns clichês. A direção também abusa da câmera nervosa e dos longos closes. A família barulhenta de Pat lembra a família Tufão da novela Avenida Brasil (2012) em que todos berram ao mesmo tempo e praticamente ninguém se ouve.


Moço feio, tadinho

O que para muitos é o ponto alto do filme, a mim causou incômodo: a beleza absurda dos protagonistas. Bradley Cooper está ótimo, mas parecia, aos meus olhos, lindo demais para estar tão mal, ainda que vestido com sacos de lixo. Jeniffer Lawrence, a Tiffany, uma garota sem manchas na pele,sem  rugas de expressão e com um corpo espetacular, faz uma viúva de pelo menos uns trinta anos, sofrida e ninfomaníaca. Faz parte do show; um bom filme também se faz da beleza dos seus atores e, às vezes só da beleza deles. A aparência de Cooper, no entanto, impediu que eu prestasse atenção em sua interpretação. Letícia, sua preconceituosa, alguém que é muito bonito não sofre? Um Bradley Cooper da vida não pode ter ciúmes, ser traído e abandonado pela mulher

 Uma vez surgiu um boato de que Michelle Pfeifer havia se afastado do cinema por ter sido diagnosticada com transtorno de pânico. Uma amiga minha comentou, com desdém: "você acha que uma mulher como Michelle Pfeifer tem tempo para ter crises de pânico? Ela está lá ocupada em ser linda..." A beleza em demasia, afinal, preencheria todas as faltas, não? Assim sendo, belos não sofrem, não tem depressão, não são internados em hospitais psiquiátricos. Um mito, é claro.


Luiz Fernando Guimarães queria ser lindo. LIN-DO. Muita gente quer. No entanto, quando falamos de realidade psíquica, as coisas complicam um pouco. Assim sendo, há pessoas consideradas feias que são irresistíveis e satisfeitas, enquanto modelos de beleza seguem dietas malucas em uma contínua insatisfação com o próprio corpo. Além disso, não há nada mais efêmero que a beleza física. Psicologismos à parte, vale a pena assistir "O lado bom da vida", especialmente no cinema. Se não fizer pensar, ao  menos enche os olhos. Não sei se Bradley Cooper é tão melancólico quanto seu personagem,  mas que é uma verdadeira paisagem, isso é. Lindo de viver, como diria Hebe Camargo. 

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Et j’ai pleuré...


A maioria de nós nasceu chorando. Aliás, se um bebê não chora logo ao nascer, ou se demora para chorar, algo pode estar errado. Quando somos bebês, antes de balbuciar qualquer coisa, choramos para tudo. Choramos porque queremos colo, choramos por fome, sede ou cólicas, choramos por desconforto, frio ou calor. Cabe à mãe ou substituta (o) fazer o papel de tradutor-intérprete: está com frio, né? quer colinho agora? tentando adivinhar nossos pedidos e dar um sentido ao choro. Conforme vamos crescendo e nos apropriando da linguagem falada, as lágrimas não são mais estimuladas. Há outras formas "mais bonitas", afinal, de pedir e expressar afetos. Aliás, é muito comum associar choro a uma certa fragilidade. Se você é forte, não chora.
  
Ao longo da vida, podemos identificar melhor o que nos comove e faz chorar, embora isso também possa mudar e surpreender. Há pessoas que choram muito ("em comercial de margarina" e "batizado de boneca") e outras que raramente choram. Na prática da clínica psicanalítica, o choro pode suscitar interpretações importantes. Nem sempre um choro é "óbvio". Lágrimas escorrem quando menos se imagina, surpreendendo analista e paciente. E muitas vezes, "aquele" choro que seria "esperado" não vem. 

Quanto a mim, o cinema costuma ser o lugar em que mais "deságuo" e na maioria das vezes, não é pelo filme. Como nunca sei quando vai acontecer, vou preparada com lenços e óculos escuros, pois saio parecendo que fui atacada por um enxame de abelhas africanas. Sendo um pouco do contra, eu nunca me comovo com os chamados filmes "de chorar". Sou capaz de me emocionar com o clássico "Cinderela baiana" e rir em "P.S. eu te amo" (aliás, esse filme é pra rir mesmo). 

O "emocionante" Cinderela Baiana
Também posso chorar com programas de tevê. Big Brother, inclusive. Uma vez estava em casa assistindo um documentário biográfico sobre o Chacrinha (o ótimo "Por toda a minha vida") e, de repente, eu comecei a chorar. Minha irmã, ao mesmo tempo, me telefonou, também aos prantos: "Você tá vendo o Chacrinha?" Configurou-se então a cena patética em que as duas irmãs choravam copiosamente ao telefone, enquanto assistiam às chacretes em poses ginecológicas e ao Chacrinha jogando bacalhau no povo. O fato é que a televisão foi nossa babá eletrônica por muito tempo, pois nossa mãe trabalhava muito. Chacrinha, além do Bolinha, Raul Gil, Barros de Alencar e até a Etty Fraser ajudaram a nos entreter. Descobrimos naquela ocasião, minha irmã e eu, que tínhamos, afinal, uma certa relação de amor  com o tal  Abelardo Barbosa.

Chacrinha, praticamente um membro da família
 Se é difícil lidar com nossas próprias lágrimas, costuma ser ainda mais lidar com as lágrimas do outro. "E se ela começar a chorar, o que eu faço?" Diante da dificuldade, muitas pessoas acabam por evitar situações em que supostamente terão de enfrentar isso. Términos de relacionamento, velórios e qualquer contexto que envolva crianças são circunstâncias de risco."Não é você, sou eu", "Você vai ter que ser forte" e "Pronto, pronto, passou, não foi nada" são frases clássicas (e péssimas) utilizadas  na vã expectativa de que a pessoa  não chore. No entanto, não se enganem: há crianças e adultos feitos que vêem no choro uma arma pra lá de poderosa.

Como sinal de fragilidade ou forma de manipulação, não há como negar o efeito das lágrimas. Elas dizem um pouco da gente. Por que choro? Por que choro agora? Por que, afinal, choro assim? Da forma que for, parece que bom mesmo é chorar com colo, de preferência com alguém que adivinhe nossos desejos, tal como fora, uma vez, lá atrás. A má notícia, vejam só,  é que o tempo de bebê passou. E faz tempo.