terça-feira, 30 de julho de 2013

Em nome do pai

Existem alguns clichês que sempre foram usados na teledramaturgia e, se bem usados, ainda têm efeito. O mais clássico talvez seja o do triângulo amoroso, presente, invariavelmente, em quase todas as telenovelas. No entanto, um dos clichês mais batidos, e que ainda comove é a questão da maternidade/paternidade desconhecida. Sempre há algum personagem que não sabe quem é seu verdadeiro pai (mãe) e só descobre no final da novela. Geralmente, é alguém de quem muito se gosta, ou que os caminhos sempre estiveram ligados de alguma forma, mas ninguém percebeu. Desde as tragédias gregas, as relações entre mães e filhos/ pais e filhos comovem. Basta lembrar da sempre citada Édipo Rei que, além de trazer o mais trágico triângulo amoroso (pai-filho-mãe), ainda traz o drama de um rapaz que desconhecia suas verdadeiras origens. Édipo crescera sem saber que seus verdadeiros pais eram Laio e Jocasta, e daí todo o desenrolar da tragédia. No ar há poucos meses, a trama de Walcyr Carrasco, "Amor à vida", traz, entre suas tramas centrais, o drama da menina Paulinha que descobre que sua verdadeira mãe é a namorada do pai, Paloma (Paola Oliveira), que tivera sua filha roubada ainda bebê. O que o texto de Walcyr traz de mais inovador  talvez seja a questão do pai. Bruno (Malvino Salvador) não é o pai biológico de Paulinha, mas busca a legitimação de sua paternidade.

Há muitos anos, as novelas, que têm um público majoritariamente feminino, abordam a questão da maternidade. Regina Duarte, por exemplo, viveu duas mães especialmente marcantes. Uma delas foi Raquel Acioly, em "Vale Tudo"(88/89), que titubeava em aceitar que a filha, Maria de Fátima (Glória Pires) era uma tremenda mau-caráter. A outra foi Helena, em "Por Amor"(1997) que trocava o seu próprio bebê vivo, pelo bebê morto da filha, Maria Eduarda (Gabriela Duarte) para que esta não sofresse. Entre as tramas de Manoel Carlos, há ainda a Helena de Vera Fischer, que engravida novamente de um antigo namorado para que a filha, Camila (Carolina Dieckman), com leucemia, tivesse um possível doador. Isso sem falar das novelas mais antigas, como "Irmãos Coragem" (70/71), em que Sinhana (Zilka Salaberry) zelava pela família com mãos de ferro, ou de "Dona Xepa" (1977), em que uma feirante cuidava sozinha dos filhos. Um dos romances brasileiros mais famosos cuja protagonista é uma sofrida mãe ("Éramos Seis", de Maria José Dupré) ganhou três adaptações para a televisão, a última em 1994, pelo SBT, com Irene Ravache.

Um LP da trilha internacional de "Pai Herói"

Em relação à figura paterna, uma das novelas mais bonitas já exibidas na Rede Globo foi uma trama de Janete Clair, "Pai Herói" (1979) cuja abertura e trilha sonora marcaram época. Quem não se lembra da música "Pai" de Fábio Júnior, tema de abertura? Tony Ramos era André Cajarana, o filho que batalha para salvar a imagem do pai morto, Malta Cajarana (Lima Duarte), que era tido como criminoso. É o tal "Pai Herói" do título.

Embora não seja propriamente inédita, a briga de um pai pelo direito de criar a filha adotada ilegalmente, tema abordado em "Amor à vida" poderia trazer uma discussão e tanto. No entanto, a novela traz alguns problemas que impedem que o tema se desenvolva mais. Malvino Salvador é esforçado, mas não segura o papel de protagonista. Bruno, o corretor de imóveis certinho, acabou se tornando um personagem chato. O texto de Walcyr Carrasco não ajuda. É repetitivo e fraco; tem-se a impressão, apesar da trama se passar em dias atuais, que estamos assistindo a uma novela mexicana. Como dizem no twitter, Glória Magadan deve estar batendo palminhas no túmulo. A critério de comparação, Tufão, o personagem de Murilo Benício em "Avenida Brasil" (2012) era um pai adotivo muito mais crível. Suas cenas com Jorginho (Cauã Reymond) conseguiam fazer chorar.

Em suma: novela pode ser coisa séria e, assim como as tragédias gregas, abordar temas que afligem a humanidade há séculos. Elas podem falar do mesmo tema repetidas vezes e ainda conseguirem emocionar. No entanto, texto é fundamental. Que venham mais novelas que abordem a questão da paternidade nos dias atuais, um tema tão delicado. E com alguma profundidade, por favor.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Sobre a eroticidade das palavras...

"Não foi à toa que Adélia Prado disse que "erótica é a alma". Enganam-se aqueles que pensam que erótico é o corpo. O corpo só é erótico pelos mundos que andam nele. A erótica não caminha segundo as direções da carne. Ela vive nos interstícios das palavras. Não existe amor que resista a um corpo vazio de fantasias. Um corpo vazio de fantasias é um instrumento mudo, do qual não sai melodia alguma. Por isso, Nietzsche disse que só existe uma pergunta a ser feita quando se pretende casar: "continuarei a ter prazer em conversar com esta pessoa daqui a 30 anos?" (Rubem Alves)

domingo, 21 de julho de 2013

No divã do facebook




Não é de hoje que o facebook se transformou em um imenso divã. Queixa-se, chora-se, defende-se o time do coração, lamenta-se pelo amor perdido, reclama-se do chefe, instauram-se suspenses. Adicionam-se. Bloqueiam-se. Naquele espaço virtual, somos todos um pouco pacientes, um pouco terapeutas de botequim. Analisam-se não só os conteúdos, mas os silêncios. Se postou, é porque postou. Se não postou, o que houve? A pergunta é: até que ponto se expor? Se a comunicação face a face já é falha, imagine só no espaço virtual, NO face. Que atire a primeira pedra quem nunca citou Clarice Lispector ou quem nunca cometeu um dos pecados abaixo:

- As Indiretas - você é eternamente responsável por aquilo que posta, mas não por aquilo que entendem. Indiretas são complicadas porque você pode atirar naquilo que viu e acertar no que não viu. Não é mais fácil mandar uma mensagem inbox? Não. Indireta legítima deixa pública a sua insatisfação com alguém e pode ganhar solidariedade e aplauso de outras pessoas. Geralmente a indireta fala de invejosos, que são sempre os outros. De gente competitiva, que são sempre os outros. De uma pessoa que sumiu, "mas que ainda vai dar valor, mas aí você não vai querer mais". De uma pessoa que você quer dar um toco público. Seja como for, as indiretas ainda fazem a festa no facebook.

- As Diretas - são as mais complicadas, mas menos comuns. Dão o nome, às vezes marcam o nome e sobrenome. A verdadeira lavação de roupa suja na praça pública do face. E aí um monte de gente pode se meter. Ou silenciar, o que pode ser ainda mais constrangedor.

- As frases de suspense - Costumam ser uma prerrogativa feminina, mas já vi homens e mulheres fazerem uso das famosas reticências. Pode ser um simples: "Triste..." Ou ainda: "E quando você imaginava que nada mais pudesse acontecer..." As reticências podem estar ausentes, mas o suspense, sempre, ele fica no ar. O suspense pode ter um efeito imenso, especialmente se a pessoa não costuma fazer uso dele. Pode dar a entender algo bom, ou algo ruim. A intenção pode ser variada, mas geralmente causa curiosidade. Perguntas como "mas o que aconteceu, amiga?" são muito comuns após a famigerada frase enigmática.

- As afirmativas - Frases que dizem que você vai reagir, que você é forte, que é positiva (o), que nada lhe abate. Que você briga, que pode, faz e acontece. E que amanhã é outro dia. São as frases do tipo "Vaiesedermedovaicommedomesmo".

- As confessionais - Geralmente, trazem uma história de vida. Não é uma simples frase, mas uma narrativa. Pode ser uma lamentação. Pode ser uma homenagem. Podem ser comoventes de ler. Podem ser um saco. 

Talvez não seja fácil delimitar o quanto uma exposição da vida privada em uma rede social seja "saudável" ou não. Cada um administra sua conta no facebook como quiser, seja no que escolhe contar, seja no que escolhe ler. Que pode ser um imenso espaço catártico? É claro que pode. Nunca se viu tantos adultos carentes de atenção em um só espaço. O grande problema, talvez, sejam os ruídos de comunicação, que são inúmeros, o que pode trazer uma imensa confusão. E às vezes, como diria o velho Freud, um charuto é só um charuto. Uma música de fossa é só uma música de fossa. Uma frase do Guimarães Rosa é só uma frase de Guimarães Rosa. Uma curtida em uma foto é só uma curtida em uma foto. Nenhum sentido oculto por trás. Nenhum.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Beijo


Não quero o primeiro beijo:
basta-me
o instante antes do beijo.
Quero-me
corpo ante o abismo,
terra no rasgão do sismo.
O lábio ardendo
entre tremor e temor,
o escurecer da luz
no desaguar dos corpos:
o amor
não tem depois.

Quero o vulcão
que na terra não toca:
o beijo antes de ser boca.

(Mia Couto, no livro "Tradutor de chuvas")

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Mas as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão...

Ela tinha noventa anos e ainda conservava o que havia sido uma de suas marcas registradas: o senso de humor. Minha avó Alzira não costumava levar as coisas a sério; nem ela mesma, nem a velhice, nem a morte. Os olhos azuis miúdos mantinham a leveza dos vinte anos e, por isso mesmo, era comum olharmos para ela como uma menina. Eram estes olhos que gostavam de contemplar o que era belo, fosse um vestido, uma casa ou mesmo um rapaz. Namorar, para ela, era das coisas mais importantes da existência. Na última vez que a vi, é claro que ela me perguntou dos namorados. E contou que havia comprado uma bolsa nova (e bonita). E mostrou o álbum de fotos dos irmãos e dos netos (todos "lindos"). E fez tudo isso outra vez, e outra e outra. No entanto, chamou-me pelo nome: ela sabia que eu era a "Lê". Minha avó ainda estava ali.

Há algumas semanas, no entanto, ela começou a ir embora. Raramente abria os olhos e estava angustiada, ela que passou a vida sem conhecer a angústia. Não reconhecia as pessoas, chorava, não conseguia dormir. Eu hesitei em ir vê-la. Queria lembrar dela me mostrando a bolsa nova. Em pura negação, eu pedi a minha mãe: "Quando ela voltar a reconhecer as pessoas, você me avisa?". E minha mãe, como quem fala com uma criança: "Filha, sua avó mal consegue abrir os olhos...."
 
Dona Alzira morreu, de fato, na semana passada. Já tinha partido antes, mas sempre havia uma esperança de melhora, de que ela voltasse a ser o que era, que voltasse a gargalhar, mesmo que os dados de realidade apontassem justamente o contrário. A morte de minha avó fez com que eu pensasse em outras mortes, pequenas delas que vivemos em vida e de como é difícil lidarmos com elas. Amizades que fizeram sentido em uma época, mas que agonizam, empregos que sobrevivem respirando "com ajuda de aparelhos", relações amorosas que se alimentam da nostalgia de um tempo "bom" que passou. Até quando manter a vela "acesa"? Quando é hora de apagá-la? Enquanto houver esperança de "cura", o luto não se faz.
 
Quando somos crianças, os personagens de desenhos animados explodem com dinamites, mudam de forma e cor, caem de precipícios, mas reaparecem sãos, salvos e inteiros, como se nada tivesse acontecido. Cedo aprendemos (e devemos aprender) que na vida adulta não é assim, embora haja esta dificuldade toda de resignação. Algumas coisas são irreversíveis. Vasos quebrados às vezes não colam, pessoas queridas vão embora e não voltam. Tão simples e tão comum, mas tão difícil. Resta a saudade, esta coisa doída que afinal pode ser uma coisa boa.  E eu já tenho saudade (muita) da alegria infantil da minha avó.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Apostas

"A confiança é um ato de fé, e esta dispensa raciocínio" (Carlos Drummond de Andrade)


Foi em Novembro do ano passado. Estava a caminho do trabalho como de hábito, quando meu carro parou. Falta de gasolina, constatei, um motivo besta e vergonhoso. Era uma rodovia e faltavam alguns quilômetros para que eu chegasse ao posto de combustível mais próximo. Sol a pino, salto sete. Quem mandou ser distraída? Ninguém parava para ajudar. Eis que um rapaz de bicicleta me aborda. Rapaz, na verdade que deveria ter uns trinta anos, com corpo e cara de cinquenta. Imediatamente me encolhi, como é meu costume. Percebi que havia lido a oferta de ajuda como um perigo e não como uma salvação para a situação ridícula em que me encontrava. "Ajuda, moça?" - ele insistiu. Eu ensaiei um sim. Ele disse que poderia buscar gasolina no posto mais próximo se eu quisesse. Precisava somente de um dinheiro para a gasolina, nada além. Peguei vinte reais na carteira enquanto vivia um pequeno dilema. O conflito valia vinte reais, mas talvez bem mais que isso. Aquele desconhecido iria pedalando debaixo de um calor senegalês para buscar gasolina, ou iria embora com o dinheiro? Fiz, internamente, a aposta. Sim, ele iria me ajudar. Aí, enfim, dei os vinte reais e resolvi aguardar. Critérios subjetivos me guiavam. Os olhos dele. Eram olhos bons, pensei. Mas quem vê olhos, vê coração?

Recentemente, quando a novela "Caminho das Índias" estava no ar, Glória Perez quis abordar o tema "psicopatia" através do personagem Irene, de Letícia Sabatella. Ao mesmo tempo, pipocavam reportagens na internet e em revistas dizendo "que o psicopata pode estar ao seu lado" e "como identificar se (seu namorado, colega de trabalho, etc) é um psicopata". Foi uma verdadeira "epidemia de psicopatas". Como se a paranóia já não existisse em algum grau. Maus e invejosos são sempre os outros, basta observar em muitas das frases postadas no facebook.

Uma amiga querida costuma dizer que a maioria das pessoas é digna de confiança até que se prove o contrário. Sair por aí esbravejando que o mundo é cruel e que as pessoas, em sua maioria, são más é algo um tanto quanto surreal para ela. Desilusões amorosas e intriguinhas de amigos fazem parte da vida. Equívocos entre pessoas que se gostam, falhas de comunicação, fofocas? Acontecem. Assim como quando muitas pessoas mentem quando estão seduzindo e tentando conquistar alguém. Mentiras no ritual de conquista fazem parte da mise en scène e não necessariamente tornam alguém um monstro. Mesmo porque mentiras sinceras às vezes interessam. FATO.

Mas e aí, onde está a maldade? É claro que há pessoas ruins que gozam com o sofrimento alheio. Há inveja daquela pérfida (que não a "invejinha" do cabelo da amiga), há traição de confiança em sua forma mais hedionda, há pessoas que QUEIMAM outras, literalmente. E aí, se você não sabe muito bem quem é o outro, você aposta em quê? Que ele vai te queimar?

Penso que se não apostamos que algo será bom (ou que alguém tem boas intenções), não fazemos nada, não há movimento, mas paralisia. Não saímos de casa em uma cidade grande, não iniciamos um relacionamento, não mudamos de emprego, não estudamos para o vestibular. Há apostas de alto risco, assim como apostas de baixo risco. Podemos apostar tudo, podemos apostar um pouquinho. Há pessoas que apostam a vida. Há pessoas que não conseguem mais apostar. Em Novembro do ano passado, em meio a outras tantas apostas, eu apostei vinte reais. Aquele "rapaz velho" me trouxe a gasolina e eu cheguei a tempo no trabalho. Ele estava desempregado há meses, mas não quis nada em agradecimento. Se ele tinha, de fato, olhos bons ou se era o meu desejo de que ele tivesse o tal "bom coração", eu não sei.


 PS: Tá parecendo post de auto-ajuda, mas vou postar mesmo assim. Paulo Coelho feelings ;-)