quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Sessenta anos de telenovela

Neste mês a telenovela brasileira fez 60 anos. Pode-se dizer que ela é uma senhora respeitável e mantêm-se firme e forte no imaginário popular. Há pelo menos trinta anos as acompanho e, assim como milhares de brasileiros, costumava fazer uma associação entre o momento de vida que atravessava e a novela exibida na ocasião. Houve um tempo em que as trilhas sonoras de personagens marcantes também embalavam cenas do nosso cotidiano. Ficção e vida real se entrelaçavam, de fato. Talvez as novelas de hoje não sejam tão marcantes, uma vez que você a esquece assim que sua sucessora entra no ar. Há alguns anos atrás, você ouvia a música e sabia de quem era o tema. Além disso, era comum haver um luto maior quando o último capítulo de uma (boa) novela era exibido.

Resolvi fazer uma pequena listinha (já que estamos na época das listas) de nove novelas que marcaram minha vida de alguma forma. Talvez não sejam as melhores, em se tratando de teledramaturgia, mas foram as minhas. Vamos a elas:

Pai Herói (1979) - Janete Clair



Já escrevi sobre a novela aqui. André Cajarana (Tony Ramos) é o mocinho que busca a verdadeira história de seu pai, já morto.É a primeira novela de que tenho lembranças nítidas, e eu sequer sabia ler. A abertura era bem marcante e trazia um quebra-cabeças com a figura de um pai dando as mãos para um filho pequeno. A trilha sonora da novela, que trazia desde hits disco a uma balada francesa ("Allouette") me emociona até hoje. Sonhava com o dia em que pudesse ir para a discoteca, lugar em que iam minhas primas, já moças. O primeiro elogio de um menino que recebi foi durante "Pai Herói". Disse ele: "Você é mais bonita que a Carina". Carina era a mocinha interpretada por Elizabeth Savalla. Não existia, na época, elogio melhor.

Guerra do sexos (1983) - Silvio de Abreu

 O  primeiro grande sucesso de Silvio de Abreu, que já havia escrito "Jogo da vida" e "Pecado Rasgado", todas das sete. Silvio de Abreu ainda é um grande apaixonado pela cidade de São Paulo, cenário da maior parte de suas obras.  A primeira vez que fui a São Paulo foi durante a exibição de "Guerra dos sexos", ambientada lá, especialmente no shopping Eldorado, que também tinha o "Parque da Mônica". O caos paulistano, os parques e shoppings, novidades para uma menina do interior, me foram apresentados pelo olhar de Silvio de Abreu. A novela, de temática feminista, era engraçada e tinha um apelo grande com as crianças. E Maitê Proença parecia ser a mulher mais linda do mundo.

Maitê e seu cabelo pigmaleão

Vereda Tropical (1984) - Carlos Lombardi e Silvio de Abreu

A única novela do Lombardi que eu gostei do início ao fim (ainda que não tenha sido totalmente escrita por ele). Tinha a cantina italiana da dona Bina (Georgia Gomide), tinha o Mario Gomes que jogava futebol (o Luca), tinha o Jonas Torres antes de ser o Bacana, tinha o Marcos Frota de Super Téo. Também era uma novela fácil das crianças gostarem. Jonas Torres era o menino disputado por uma mãe solteira e batalhadora (Silvana, de Lucélia Santos) e o avô rico dos "cabelo fofo de algodão" (seu Oliva, de Walmor Chagas). O drama da mãe pobre que queria criar seu filho comovia, embora, no geral, a novela fosse muito leve e engraçada. Mario Gomes chegou a gravar um disco e cantar no Chacrinha por conta de seu sucesso como Luca.

Ti ti ti (1985/86) - Cassiano Gabus Mendes

Cassiano Gabus Mendes, um dos meus novelistas favoritos. "Ti ti ti" marcou minha pré-adolescência. Já estava também mais vaidosa e começava a me interessar por moda, um dos temas principais da novela. Eu realmente acreditei que o Boka Loka faria o garoto que eu gostava me tirar para dançar no bailinho de garagem. Pura ilusão.Victor Valentim me enganou.  A trilha sonora que contava com a cortante "Lover Why" embalou meu primeiro amor não correspondido. Este, a gente nunca esquece.

Roque Santeiro (1985/86) - Dias Gomes e Aguinaldo Silva

Era a novela das oito, enquanto "Ti ti ti" era exibida às sete. Cheguei a usar uma faixa igual a da Porcina. Foi também a época em que fui ao show do Menudo e assisti a alguns shows do primeiro Rock in Rio na tevê. A temática política, abordada na novela, não era muito clara para mim. No entanto, conseguia entender a hipocrisia que reinava naquela cidade pequena. Asa Branca poderia ser muito bem a cidade em que eu morava na época. De fato era um microcosmo em que a gente podia enxergar figuras muito familiares do nosso convívio. Comecei a me interessar por política aí. Noveleira não necessariamente é um ser alienado, mesmo aos 11 anos de idade.

Vale Tudo (1988/89) - Gilberto Braga, Aguinaldo Silva, Ricardo Linhares e Leonor Basséres


A franjinha "fashion" de Lídia Brondi

Vale Tudo foi exibida durante a minha oitava série. Tenho o ano todo registrado em uma agenda que eu NÃO joguei fora (me internem). Tomei meu primeiro porre com licor de chocolate (duas taças, três?) e me chamaram de Heleninha Roitman. Cortei a franja como Solange Duprat (Lídia Brondi), mas não conseguia colocar aqueles palitos no cabelo. Cássio Gabus Mendes, que fez o Afonso, era o meu mocinho preferido de novelas, apesar de não ser lindo. Aliás, eu nunca gostei muito dos lindos. Até hoje é assim. Odiava Maria de Fátima com todas as minhas forças, mas tinha simpatia pela dona Odete. Mandei carta para a promoção do caldo Maggi da galinha azul, mas não adivinhei que a assassina era a Leila (Cássia Kiss). Aliás, não lembro quem eu achava que era. Ainda bem, porque cultura inútil tem limites.

Mulheres de Areia (1993) -  Ivani Ribeiro

Segundo ano de faculdade. Queria chegar logo da aula para não perder a novela. Os efeitos especiais que faziam Glória Pires (Ruth e Raquel) contracenar com ela mesma eram novidade na época.
Foi um tempo em que virei "bicho grilo". As saias longas e shorts coloridos com keds brancos faziam o maior sucesso pela USP afora. Os olhos pintados de cajau como os da Malu (Viviane Pasmanter) também. Guilherme Fontes (pasmem!) era o galã da vez. Eu preferia o Leonardo Vieira, que despontava como estrela na novela das oito dos idos de 93 ("Renascer"). A fita K7 com "Easy" (do Faith no more) eu escutei até gastar. Acabou cozinhando dentro do toca-fitas do carro sob o sol escaldante de Ribeirão Preto.

Éramos Seis (1994) - (adaptação de Silvio de Abreu e Rubens Ewald Filho da obra de Maria José Dupré)

Tentativa de resgate do núcleo de teledramaturgia do SBT que deu certo. A novela ganhou o APCA de melhor novela do ano. Era para estrear um dia depois da morte de Ayrton Senna, estréia que foi adiada. Toda a programação da tevê só falava de Senna, inclusive em busca de audiência.
Eu, como fã do livro, assisti a novela do início ao fim. Cheguei a escrever uma carta para o Tarcísio Filho, que interpretou o Alfredo, para elogiar sua atuação. A cena em que o personagem se despede de sua mãe Lola (Irene Ravache) antes de partir para a guerra me fez chorar litros.

Laços de família (2000) - Manoel Carlos

É minha Helena preferida de Manoel Carlos, já falei aqui no blog. Muitos achavam que Vera Fisher não daria conta, mas ela fez bem o papel, ainda que com os seus sussuros de hábito ("Eduuuuuuuuuu..."). O tema de Helena cantada por Daniela Mercury ("Como vai você", de Antônio Marcos) marcou especialmente a minha vida. Também foram marcantes as sátiras feitas pelo Casseta e Planeta, com Bussunda trajando os vestidos com estampa de onça da "dona Helena". Helio de la Peña fazia a Zilda, a empregada de mil e uma utilidades.

O ano 2000 foi um ano em que trabalhei muito, vivi muito e amei também. Pensei até em me mudar para o Rio de Janeiro, a terra de Manoel Carlos, mas fiquei por aqui mesmo.

Bem, são essas. Escolhi nove novelas, a maioria globais e entre os anos 70 e 80, os anos de auge das novelas brasileiras (e também quando eu tinha mais tempo de assistir televisão). E você, qual novela marcou sua vida? Quer dar sua opinião aqui no blog?

domingo, 11 de dezembro de 2011

Eu quero trabalhar no Vídeo Show...

- O que você quer ser quando crescer?
- Psicóloga.
- É? E você sabe o que uma psicóloga faz?
- Ela ajuda as pessoas que estão tristes a ficarem melhor.

Assisti, espantada, a essa entrevista em um desses documentários da tevê a cabo. Houve outras, mas chamou-me a atenção o fato daquela criança de cinco anos querer ser... PSICÓLOGA. Eu nunca tinha visto uma criança querer ser psicóloga, muito menos com cinco anos. Nenhuma criança no meu tempo queria isso e muito menos tentava explicar o que era. Tirando as campeãs bailarina e cantora, a gente brincava de ser vendedora, dentista, secretária, mas de psicológa, jamais. Aliás, eu nem sabia o que era.
Na verdade, assim que fui alfabetizada, respondi a um questionário em que constava a pergunta fatídica "o que você vai ser quando crescer". Eu respondi, mal terminada a "Caminho Suave" que queria ser "escritora". Dois anos depois eu acrescentei que queria ser escritora e "trabalhar no Vídeo Show".

Tássia Camargo (lembram?) a primeira apresentadora do Vídeo Show
O Vídeo Show passava aos domingos e era uma espécie de Fantástico à tarde, um show de variedades com imagens interessantes, inclusive as antigas, do arquivo da Globo. Aliás, esta era a parte que eu mais gostava: o arquivo.


O primeiro logo da Globo
Todas aquelas cenas de novelas antigas de quando eu nem era nascida, aqueles comerciais da Kolinos, da Varig e dos cobertores Paraíba de 1900 e guaraná com rolha... Ah, como eu gostava daquilo. Tanto gostava que cheguei a decorar algumas cenas de "Selva de Pedra" e "Irmãos Coragem", sem nunca ter assistido na íntegra. Minha memória afetiva era a do Vídeo Show.

Depois o programa passou a ser ao sábados e cada vez mais trazia reportagens sobre os programas da Globo e seus bastidores. O principal  quadro das coisas antigas era o "Túnel do Tempo". O que você estava assistindo no dia 29 de Junho de 1979? Impossível não lembrar da Cissa Guimarães e sua voz sussurrada "direto do túnel do tempo".

Aliás, outra das coisas que eu gostava muito era um quadro do "Qual é a música" do eterno Silvio Santos que se chamava "Vitrola Musical". A vitrola tocava umas músicas cheias de chiado para que o Silvio perguntasse: "Fulano de tal, de quem é essa voz??"


Silvio Santos, o pândego

Geralmente era um povo do além (Aracy de Almeida, Orlando Silva, Emilinha Borba, Linda Batista, etc). Foi assim que eu aprendi a reconhecer os cantores do rádio, grandes vozes que fizeram sucesso nos anos 40. Silvio costumava ser sádico: "Esta música foi gravada antes de 1943 ou depois de 1943?" Eu vibrava quando acertava. A princípio, no chute. Depois fui aprendendo.

O tempo passou, o Vídeo Show passou a ser diário e caiu em qualidade e neurônios. Seu Silvio continua firme e forte no seu domingão o quanto pode. E eu, voltando ao diálogo que inicia este post, tornei-me psicóloga ao crescer, o projeto da menininha de cinco anos que não quer ver as pessoas tristes. Minha escolha pela psicanálise me faz lembrar de uma frase que a psicanalista Diana Corso escreveu dia desses:

"Psicanálise não deixa de ser uma oficina de escrita: diários prolixos, contos arrebatados, meticulosas novelas de fôlego. Edito, apenas."
 
 
Não me tornei escritora, nem trabalho no arquivo do Vídeo Show. Sendo uma boa editora das pequenas ficções humanas, dou-me por satisfeita. E feliz pelas crianças, hoje, terem curiosidade em saber o que, afinal, faz um psicólogo.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Tudo o que eu queria te dizer...

"Nunca deixe para amanhã o que você pode fazer hoje". Esta máxima é recorrente contra os procrastinadores de plantão que somos todos, uns mais, outros menos. Em contrapartida, fala a favor dos impulsivos que telefonam (ou tuítam) bêbados de madrugada. Soninha Francine, que é colunista da revista Vida Simples, problematiza esta afirmação em sua coluna deste mês. Embora às vezes a espera possa ser fatal, adiar pode ser uma benção. A decisão, no entanto, de quando fazer uma coisa ou outra não é tão fácil assim. Palavra dita não volta atrás. Mas o tempo perdido também não.

Uma das coisas bacanas do (quase) finado orkut, eram as comunidades. Depois virou uma várzea, mas no início era um espaço interessante para trocar informações e conhecer pessoas. Uma das comunidades era uma que falava de escritos não enviados ("Escrevi, mas não mandei"). O pessoal relatava cartas ou e-mails escritos e não mandados; alguns pediam opinião e depois compartilhavam as repercussões. Quem aqui nunca apertou a tecla send e se arrependeu que atire a primeira pedra. Eu sou do tempo do correio e já cheguei a pensar em interpelar o carteiro para que a carta não chegasse. Em tempos de internet e sms, a coisa é muito mais fatal.


Martha Medeiros, outra das escritoras super citadas, escreveu um livro interessante sobre o tema. É um livro de cartas ("Tudo o que eu queria te dizer") e traz diversos tipos delas: de filha para mãe, de fã para ídolo, de amante ressentida, etc. Todas são fictícias, mas é fácil se identificar em ao menos uma delas.

O efeito de uma mensagem, ainda mais escrita, nunca é completamente previsível. Como se escreveu? Como será lida e em quais circunstâncias? Sophie Calle, uma escritora francesa, enviou a carta de rompimento de seu ex-namorado para 107 mulheres para que elas dissessem o que achavam e como a interpretavam. Das mais diversas opiniões, ela fez uma exposição de arte. Na FLIP de 2009, ela e o ex se encontraram pela primeira vez pós-carta em uma mesa para um confronto. Foi o máximo que vi de onde uma carta escrita poderia chegar. E de como palavras ditas de forma infeliz podem ter um eco absurdo.

Enfim, uma tática interessante (e conhecida) é mandar para si mesma o e-mail (carta, sms, whatever) e ler um dia depois. Escritos sob forte emoção podem soar ridículos e malucos para quem lê e não está na mesma vibe. Já escrevi um e-mail de madrugada que começou cordial, evoluiu para uma série de impropérios e terminou com um obrigada. Não ganhei tempo com ele, não me aliviou em nada e a palavra escrita foi e não voltou. Há coisas que devem ser ditas sim, aqui, agora e para o destinatário correto. Há aquelas que podem esperar. E outras tantas, bem... guarde-as ou jogue-as fora se não servirem mais.