domingo, 25 de novembro de 2012

Sabrinas, Julias, Biancas e afins...

"Menina, não lê isso não, vai te fazer mal".

Ouvi este conselho aos quinze anos, de um rapaz mais velho da turma, que devia contar seus vinte e um. Eu havia acabado de trocar livros com uma amiga, era um dos nossos hábitos. Na época, comprávamos livros da Agatha Christie, da Coleção Vagalume e muitos, muitos da coleção Julia, Sabrina e Bianca. Os numerosos romances de encadernações vagabundas enchiam uma sacola.



Os livros costumavam ser romances açucarados em lugares paradisíacos. Alguns eram mais picantes, mas aprendíamos a localizá-los pelo nome da autora (geralmente eram mulheres). Havia uma outra coleção, a "Momentos Íntimos" que eram mais apimentados, de fato. Nada escandaloso, nada que se compare ao best seller do momento,  a trilogia dos "50 tons".

No entanto, algumas coisas compunham a receita básica dos livros e, incrivelmente, fazem sucesso até hoje entre mulheres de várias idades. O herói do romance é belo, forte e geralmente, rico. A mocinha pode ser destemida e corajosa, ou doce e delicada, mas é sempre magra, bonita e bem educada. Os cenários, invariavelmente, são lugares belos e cheios de luxo.

Lembro-me até hoje da descrição de um herói desses romances. Ele era mais velho (coisa rara, tinha por volta dos quarenta anos, quando a maioria tinha cerca de vinte e tantos). Foi a primeira vez que ri ao ler a descrição (sempre rica em pormenores) e constatei o ridículo do negócio:

"Luke tinha um bronzeado invejável, que contrastava com seus cabelos prateados. Ele a encarava com seus olhos profundos, azuis como os de um husky".


"Ele era capaz de despí-la apenas com o seu olhar"

Foi assim que me cansei das Sabrinas. Romances com tramas "românticas" precisam ser muito bons para não ficarem ridículos. Romances eróticos precisam ser extremamente bons para não serem cafonas. A maioria deles você lê e quase chega a ouvir o Kenny G. e o Roberto Carlos ao fundo.

Penso que romances como "50 tons" chegam a ser tão irreais quanto um filme pornô. A mocinha nunca transpira, nunca está cansada e com olheiras, não tem TPM, não tem dor, está sempre com a manicure e a escova em dia. Imagina se ela vai se preocupar como o frizz nos cabelos e se esqueceu de tomar a pílula anticoncepcional! Mas é claro, dirão alguns, os livros são para as mulheres sonharem, se projetarem para lugares que não conhecem, nos braços de homens maravilhosos e super-power-plus. Pode ser.

No entanto, literatura erótica para mim, da boa, não é essa. Há muitos livros bons por aí, de Anaïs Nin a Ana Ferreira. João Ubaldo Ribeiro não conta, pois "A casa dos budas ditosos" não parece ser contado por uma mulher. Se querem um filme, procurem pelo espanhol "Lucía e o sexo"(2001), um belo longa erótico. A protagonista, vivida pela linda Paz Vega, é palpável, real, humana. E Drummond, meu querido Drummond, também escreveu um lindo livro de poemas, "O amor natural".

Tanto em literatura, como nos filmes, é necessária alguma identificação com a (o) protagonista. É preciso sentir-se ali. Há sim uma boa dose de "é ali que eu QUERO estar", especialmente em situações inviáveis na vida cotidiana, mas prefiro poucos devaneios. Hoje eu entendo melhor o conselho do meu antigo amigo, tão jovem ainda em seus vinte e poucos anos. Literatura (mesmo a ruim) não fez mal a mim, nem tão pouco os protagonistas perfeitos. No entanto, a vida real é MUITO diferente da ficção, embora possa ser bem mais interessante também.

Desejo e Amor

Desejo e amor. Irmãos. Por vezes gêmeos; nunca, porém, gêmeos idênticos (univitelinos)


Desejo é vontade de consumir. Absorver, devorar, ingerir e digerir — aniquilar. O desejo não precisa ser instigado por nada mais do que a presença da alteridade. Essa presença é desde sempre uma afronta e uma humilhação. O desejo é o ímpeto de vingar a afronta e evitar a humilhação. É uma compulsão a preencher a lacuna que separa da alteridade, na medida em que esta acena e repele, em que seduz com a promessa do inexplorado e irrita por sua obstinada e evasiva diferença. O desejo é um impulso que incita a despir a alteridade dessa diferença; portanto, a desempoderá-la [disempower]. Provar, explorar, tornar familiar e domesticar. Disso a alteridade emergiria com o ferrão da tentação arrancado e partido — quer dizer, se sobrevivesse ao tratamento. Mas são grandes as chances de que, nesse processo, suas sobras indigestas caiam do reino dos produtos de consumo para o dos refugos.
Os produtos de consumo atraem, os refugos repelem. Depois do desejo vem a remoção dos refugos. É, ao que parece, como forçar o que é estranho a abandonar a alteridade e desfazer-se da carapaça dissecada que se congela na alegria da satisfação, pronta a dissolver-se tão logo se conclua a tarefa. Em sua essência, o desejo é um impulso de destruição. E, embora de forma oblíqua, de autodestruição: o desejo é contaminado, desde o seu nascimento, pela vontade de morrer. Esse é, porém, seu segredo mais bem guardado — sobretudo de si mesmo.

O amor, por outro lado, é a vontade de cuidar, e de preservar o objeto cuidado. Um impulso centrífugo, ao contrário do centrípeto desejo. Um impulso de expandir-se, ir além, alcançar o que "está lá fora". Ingerir, absorver e assimilar o sujeito no objeto, e não vice-versa, como no caso do desejo. Amar é contribuir para o mundo, cada contribuição sendo o traço vivo do eu que ama. No amor, o eu é, pedaço por pedaço, transplantado para o mundo. O eu que ama se expande doando-se ao objeto amado. Amar diz respeito a auto-sobrevivência através da alteridade. E assim o amor significa um estímulo a proteger, alimentar, abrigar; e também à carícia, ao afago e ao mimo, ou a — ciumentamente — guardar, cercar, encarcerar. Amar significa estar a serviço, colocar-se à disposição, aguardar a ordem. Mas também pode significar expropriar e assumir a responsabilidade. Domínio mediante renúncia, sacrifício resultando em exaltação. O amor é irmão xifópago da sede de poder —nenhum dos dois sobreviveria à separação.

Se o desejo quer consumir, o amor quer possuir. Enquanto a realização do desejo coincide com a aniquilação de seu objeto, o amor cresce com a aquisição deste e se realiza na sua durabilidade. Se o desejo se autodestrói, o amor se autoperpetua.

Tal como o desejo, o amor é uma ameaça ao seu objeto. O desejo destrói seu objeto, destruindo a si mesmo nesse processo; a rede protetora carinhosamente tecida pelo amor em torno de seu objeto escraviza esse objeto. O amor aprisiona e coloca o detido sob custódia. Ele prende para proteger o prisioneiro.

Desejo e amor encontram-se em campos opostos. O amor é uma rede lançada sobre a eternidade, o desejo é um estratagema para livrar-se da faina de tecer redes. Fiéis a sua natureza, o amor se empenharia em perpetuar o desejo, enquanto este se esquivaria aos grilhões do amor.



BAUMAN, Zygmunt. AMOR LÍQUIDO: sobre a fragilidade dos laços humanos. Trad. Carlos Alberto Medeiros. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2004. Pág. 23-25

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Você prefere filme DUBLADO?!


Li, recentemente, que tem crescido o número de salas de cinema no Brasil que exibem filmes dublados. E não são só os infantis. Dia desses, ao apresentar um filme para um grupo de adolescentes, eles logo se manifestaram: "Ah, mas não é dublado?". Du-bla-do. "Ué - brinquei - vocês não sabem ler?". Por que catzo alguém prefere uma dublagem a là Fucker and Sucker à voz (e interpretação) originais do ator? Sim, Letícia, alguns adultos não sabem mais ler. Ou lêem pior. Ou tem preguiça do combo "assistir filme + ler legenda". E aí Botucatu, que mal tem um cinema, passou a exibir o único filme da semana DUBLADO. Análises e críticas sociais à parte, eu me lembrei que existem, sim, filmes que eu aprecio com dublagem. E isso teria mais a ver com a memória afetiva do que propriamente com a dificuldade em ler legendas.

 Scarlett, me beije, me beije!


"E o vento levou" (1938) é um desses classicões que foram exibidos pela primeira vez na televisão nos anos 80 e reprisado ad eternum depois. A primeira vez que ouvi a voz original do ator Clark Gable, eu estranhei. Para mim, a voz dele era aquela rouca que pedia a Scarlett que o beijasse. E como esquecer da voz (dublada) da escrava Mammy, correndo atrás da patroa (Dona Scarlett, dona Scarlett!)? Em relação às séries, Macgyver sempre terá a voz do He-Man e o Alf (o E-Teimoso), a voz do seu Peru (Orlando Drummond).

O mais engraçado é assistir filmes dos anos 50 que foram dublados nos anos 70 e trazem gírias, portanto, da época da dublagem ("podiscrê" e "prafrentex", por ex). Ou uma interpretação empolada que, de fato, combina com a época do filme ("Puxa, rrrrrrrapaz, que garota!"). Isso sem contar a tradução dos títulos. Nos anos 50, a tradução era dramática, sendo comum palavras como por exemplo, suplício ("Almas em Suplício", "O suplício de uma saudade"). Quem, hoje em dia, usa a palavra suplício, minha gente?

Descobri, dia desses, que "pantera" é uma gíria dos anos 70 que diz respeito às mulheres entre 30 e 40 anos muito bonitas e "fatais". Gata seria a adolescente bonitinha; pantera, a sua versão mais velha. Gata ficou, mas pantera virou gíria datada. No entanto, foi esse o nome que deram para o seriado "Charlie´s Angels" que virou "As panteras". "Good morning, angels" virou "Bom dia, panteras!" 

"As panteras" e sua versão setentinha
 Em resumo, filme dublado costuma ser um horror, mas tem lá o seu charme quando é "vintage". Algumas dublagens ficaram tão clássicas que é possível lembrar frases inteiras com a voz do dublador. Impressionante como voz e música podem trazer memórias afetivas tão intensas. Saudades da voz grave que dizia "versão brasileira, Herbert Richers". Tempos bons.