sábado, 26 de maio de 2012

Frases que consolam... ou não

"Quando Deus fecha uma porta, Ele fecha uma janela". Tentando ser otimista em relação a uma determinada situação, nesta semana eu cometi este lapso nada alentador. Quando o inconsciente faz-se presente desta forma tão escancarada, é claro que um psicólogo (e psicanalista) se põe a pensar. Os psicanalistas presentes na mesa, no entanto, fizeram uso da superstição e me ordenaram: "bate na madeira e isola!". E eu bati.

Penso que as frases-clichê consoladoras têm me irritado um bocado ultimamente. Talvez venha daí o lapso pessimista que não permitiu que Deus abrisse uma janela. Elas não têm tido mais efeito em mim, criei anticorpos, na verdade, o que é  uma pena.

"Não era para ser, pensa assim", nos dizem quando levamos um pé na bunda, perdemos o emprego ou coisas do gênero. Quem é que disse, cara pálida? Essa frase tem uma intenção bacana que é a mesma da frase do lapso, pois faz menção a uma esperança de que dias melhores virão. Da mesma família de frases está o famigerado: "o que é seu está guardado". Guardado onde e para quando?

"Ele (a) não te merece". Quem é que disse que bom currículo é sinal de vida amorosa satisfatória, minha gente? O que é o tal merecimento? Sou trabalhador, honesto e sem vícios. Boa gente e sincero. Quem merece estar comigo? E quando se está em frangalhos por alguém, adianta saber que a pessoa não "me merece?" Sim, trata-se de uma bela tentativa de algum resgate narcísico, mas tenho cá minhas dúvidas na capacidade consoladora da frase.

"Para esquecer um amor, só mesmo um outro amor" ou, a grosso modo "a fila anda". Longe de mim querer estimular um período de luto eterno, mas o desespero por encontrar alguém novo ainda com a ferida doendo é pedir para sofrer mais ainda. Se o lugar estiver desocupado, aí sim acredito ser mais fácil. Términos de relacionamento não querem dizer, necessariamente, que o lugar está vago e a fila vai andar.


"Jamais desista dos seus sonhos". Esta é a pior de todas, a clichê das clichês. Persistência é importante, mas alguns projetos precisam ser renunciados sim, para que a vida possa caminhar. Certos sonhos, infelizmente, são apenas perda de tempo. Mais ainda se só ficam em elocubrações e jamais são colocados em prática.

Nossa, mas que  mau humor, que pessimismo! Não sei, a bem da verdade. O que me irrita talvez é o caráter infantilizador de algumas das frases. Esperar um presente logo mais adiante como compensação de um sofrimento, pensar que se o cara me deixou é porque eu sou muito boa para ele, etc, etc. A vida é difícil mesmo, a gente perde coisas, muitas vezes de forma irreversível. Será que não existiria uma maneira mais doce de poder encará-la sem recorrer a tantos subterfúgios? Talvez não, vai saber. Ah, mas que sejam mais criativas, as pobres frases, ao menos. E que nos estimule a sermos adultos, uma vez que não temos mais a idade do menininho aí de cima.

sábado, 19 de maio de 2012

APARIÇÃO AMOROSA

Doce fantasma, por que me visitas
como em outros tempos nossos corpos se visitavam?
Tua transparência roça-me a pele, convida
a refazermos carícias impraticáveis: ninguém nunca
um beijo recebeu de rosto consumido.

Mas insistes, doçura. Ouço-te a voz,
mesma voz, mesmo timbre,
mesmas leves sílabas,
e aquele mesmo longo arquejo
em que te esvaías de prazer,
e nosso final descanso de camurça.

Então, convicto,
ouço teu nome, única parte de ti que não se dissolve
e continua existindo, puro som.

Aperto... o quê? a massa de ar em que te converteste
e beijo, beijo intensamente o nada.

Amado ser destruído, por que voltas
e és tão real assim tão ilusório?

Já nem distingo mais se és sombra
ou sombra sempre foste, e nossa história
invenção de livro soletrado
sob pestanas sonolentas.

Terei um dia conhecido
teu vero corpo como hoje o sei
de enlaçar o vapor como se enlaça
uma idéia platônica no espaço?

O desejo perdura em ti que já não és,
querida ausente, a perseguir-me, suave?

Nunca pensei que os mortos
o mesmo ardor tivessem de outros dias
e no-lo transmitissem com chupadas
de fogo aceso e gelo matizados.

Tua visita ardente me consola.
Tua visita ardente me desola.
Tua visita, apenas uma esmola.

Carlos Drummond de Andrade