quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Medianeras

"Medianeras" são as chamadas paredes cegas que dão para um prédio vizinho. Na Argentina, de acordo com o Código Civil, elas não podem ser mexidas, ao menos no papel. Assim sendo, não é possível abrir janelas nas medianeras, apenas na frente e no fundo dos apartamentos. O filme "Medianeras" trata justamente deste assunto: como a arquitetura de uma cidade pode contribuir significativamente para o isolamento e a solidão. É Buenos Aires, mas poderia ser São Paulo, Nova Iorque ou qualquer outra metrópole.

Mariana, Martin e os desencontros

 "Estou convencido de que as separações, os divórcios, a violência familiar, o excesso de canais a cabo, a falta de comunicação, a falta de desejo, a apatia, a depressão, o suicídio, as neuroses,os ataques de pânico, a obesidade, as contraturas, a insegurança, a hipocondria, o estresse e o sedentarismo são responsabilidade dos arquitetos e da construção civil. Destes males, salvo o suicídio, padeço de todos”. Martin, o jovem protagonista (e um dos narradores do filme) começa a contar sua estória desta (dramática) maneira e responsabilizando a "selva de pedra" por seus males psíquicos. Ele pouco sai de casa por conta de uma diagnosticada "fobia social". Mariana, uma arquiteta que trabalha com decoração de vitrines de lojas, é sua vizinha no prédio. Ela tenta reconstruir sua vida após o término de um relacionamento de quatro anos, com toda a dor que isso implica. Os dois se cruzam por várias vezes, mas não se vêem.

"Medianeras" é um filme sobre a solidão de todos nós. Aquela solidão cotidiana, familiar, especialmente para quem mora nos grandes centros urbanos. Não chega a ser um filme angustiante como "Encontros e Desencontros" (2003) ou mesmo "Shame"(2011), mas tem lá sua "angustiazinha". Em um dos momentos mais tocantes do longa, Mariana assiste ao filme "Manhattan" (1979), uma referência simpática a Woody Allen, o diretor que sempre tem a cidade (especialmente Nova Iorque) como protagonista de seus enredos. Não é, ainda que o subtítulo em português possa induzir, uma estória sobre o romance entre pessoas que se conhecem pela internet. Aliás, o filme é um elogio do acaso. O diretor parece dizer que, em algum momento, você (assim como os protagonistas), de fato, pode encontrar uma pessoa "especial". No entanto, há a possibilidade de esbarrar nela por diversas vezes sem se aperceber disto.



O cinema argentino tem trazido boas surpresas, ao menos para mim. Acho incrível a forma como eles contam as estórias. Pode ser uma estória já bem conhecida, mas a forma como a narrativa se organiza é encantadora e, muitas vezes, impactante. "O segredo de seus olhos" (2009), por exemplo, é um filme argentino que figura entre os meus preferidos.O fato de não ter atores tão conhecidos para nós (como os hollywoodianos e brasileiros) ajuda a dar mais verossimilhança ao que é contado. Algo da direção de "Medianeras" remete a "500 dias com ela", especialmente no aspecto "lúdico" e às referências pop. Também faz lembrar pela menção à arquitetura e por ser uma "comédia" romântica com um pezinho na melancolia. A mim, trouxe doçura para uma noite fria e deu vontade de sair abrindo janelas por aí.

PS: A obsessão da protagonista pelo jogo "Onde está Wally" me lembrou este post antiguinho, um dos poucos confessionais deste blog...

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Cidades pequenas: ame-as ou deixe-as?

Quem nasceu e cresceu em cidade pequena sabe bem o que é estar constantemente sob o olhar alheio. Sendo a moça mais rica da escola, o filho do prefeito, o padre da principal paróquia ou o discreto vigia do banco, em algum momento, por excessos ou silêncio, sua vida será comentada. Um filme dos anos 50 fez muito sucesso por tratar dos dramas vivenciados em grau máximo pelos moradores de uma cidade chamada "Peyton Place", que ganhou no Brasil o irônico título de "Caldeira do Diabo". Sem ir tão longe, Dias Gomes escreveu maravilhosamente sobre o microcosmo das pequenas cidades como Asa Branca (em Roque Santeiro) e Sucupira (em O Bem Amado). Aguinaldo Silva seguiu a mesma linha em suas tramas regionalistas.

Em uma cidade pequena, o supermercado do centro é um ponto de encontro, assim como a missa, a pizzaria ou a pista de atletismo em que as pessoas caminham de manhã e à tarde. É praticamente impossível sair de casa sem esbarrar com um rosto familiar. Aliás as pessoas, conhecidas ou não, sabem quando você trocou de carro, de namorado ou viajou. É comum ouvir: "vou te contar uma novidade, mas você já deve estar sabendo, a cidade inteira já sabe..."



Quando você é criança ou adolescente, a pequena cidade é o seu universo. Para algumas pessoas adultas, aliás, esta crença permanece. A vida amorosa  das pessoas que vivem nesses lugares é um livro aberto. Mesmo não tendo trocado um oi com Fulano, você sabe quantas namoradas ele teve e por quanto tempo. "Fulano está com Beltrana, mas não adianta, ele sempre vai gostar de Sicrana, a primeira namorada..." Ah, como podem ser românticas as novelas imaginadas por moradores de pequenas cidades...

Muita gente que mora em cidade pequena, saindo ou não para estudar fora, sonha em mudar para uma cidade maior, a capital, de preferência. Tem-se a impressão que é "lá que as coisas acontecem" e que "algo está sendo perdido" se você continuar no interior.  Afinal, chega de ser tão visto, eu quero ser um número, quero pintar o cabelo de roxo, quero sair com quem eu quiser sem ninguém saber, quero ir ao teatro, quero ir para a balada em dia de semana! Isso sim, é vida.

A cidade grande pode ser maravilhosa porque podemos brincar de "homem invísível" e, se não quiser mais ver alguém novamente, abrir um alçapão e sumir. E ainda ver aquele show incrível, conhecer um bar ótimo, encontrar aquele ator de novelas na fila do banco e desfrutar continuamente de novos sabores e sons. E ganhando dinheiro, obviamente.

Mas daí vem a nostalgia. Uma saudade repentina do sotaque caipira, do dono da farmácia que viu você crescer, daquele velho conhecido do colégio que lembra que sua letra era redondinha, do ex-namorado que te trata com carinho, das mais diversas pessoas que te abraçam forte e te contam sorrindo que "teve aula com sua mãe" ou "voou com o seu pai". Ah, a cidade pequena pode te oferecer olhares vigilantes, mas também testemunhas da sua história. E isso, olhem só, é bom.

domingo, 9 de setembro de 2012

Brilho eterno de uma mente sem lembranças?

 "Abençoados os que esquecem, porque aproveitam até mesmo seus equívocos"
(Friedrich Nietzsche)


Juliette Binoche e Mathieu Kassovitz em "A vida de outra mulher"(2011)

Fisgada por um filme daqueles "bonitinhos", eis-me aqui, novamente, escrevendo sobre o tempo e a memória. O sotaque francês seduz, Juliette Binoche também, mas "A vida de outra mulher" (2011) não é um filme, digamos, leve. Em certos aspectos faz lembrar muito o brasileiro "O homem do futuro", especialmente em relação aos (muitos) clichês e à trilha sonora bacana, mas ele vai além, é mais denso. E, assim como acontece no longa brasileiro, os atores é que fazem valer o filme, mais do que propriamente o roteiro, que  não é  lá muito original.

Juliette Binoche é Marie, uma mulher que, aos 41 anos, acorda sem se lembrar de nada que acontecera nos últimos quinze anos. Emocionalmente, ela ainda é uma jovem em início de carreira apaixonada e idealista, e não uma mulher bem sucedida, rica e com o casamento em crise. Aos poucos, as circunstâncias vão apresentando a ela (e ao espectador) como foram suas escolhas entre os 20 e os 40 anos que a fizeram chegar onde está. As memórias que Marie têm vão até a primeira noite que teve com o marido, até então seu namorado, no auge do apaixonamento.

A questão que fica é: e se você esquecesse de todas as suas dores, de todas as relações mal acabadas, de todo o ressentimento vivido, como seria sua vida? Haveria mais leveza, você se arriscaria mais?

(...)eu não tinha este coração que nem se mostra.
    Eu não dei por esta mudança,
   tão simples, tão certa, tão fácil:
  Em que espelho ficou perdida a minha face?"
 (Retrato - Cecília Meireles)

Tal tema já foi muito bem trabalhado no já "novo clássico" "Brilho eterno de uma mente sem lembranças" (2004), onde uma clínica oferece às pessoas a experiência de poder esquecer, deletar todas as memórias referentes a um acontecimento ou alguém. O enredo permite a reflexão acerca da repetição. Se eu apagar uma vivência, eu não correria o risco de passar por ela novamente como se fosse a primeira vez? De nada adiantaria eu apagar uma experiência dolorosa, uma vez que outras viriam.Afinal, não é repetindo e elaborando que eu posso seguir em frente?

Em "A vida de outra mulher" Marie tem a chance de rever seu casamento com a mesma paixão dos primeiros dias de relacionamento. Nela, não há a desconfiança e a mágoa que existe no marido. Se eles vão acabar juntando novas e pequena mazelas diárias novamente até chegarem ao mesmo ponto anos depois, não sabemos. Há somente a oportunidade, para Marie, de uma "mente sem lembranças". Não é um típico "filme de chorar", mas prepare os lencinhos.