quarta-feira, 31 de agosto de 2011

O que você faria?

"Ando devagar porque já tive pressa e levo esse sorriso porque já chorei demais"(...). "Tocando em frente" é uma música linda do Renato Teixeira, também muito cantada por Almir Sater. Esta frase é citada à exaustão nos facebooks e twitters da vida, e já foi, em algum tempo, também muito escrita nas famosas "agendas". Eu mesma já a escrevi muitas vezes, algumas até sem pensar no seu real sentido.

Recentemente, a citei no meu mural do face. Uma amiga querida, então, escreveu logo abaixo: "Eu não. Ando rápido porque já andei muito devagar". Foi aí que pensei: "de onde tirei a idéia de que já tive pressa? eu raramente tenho pressa". Aliás, meu apelido de criança era "Letícia, já vou indo" por conta do meu ritmo, digamos assim, vagaroso.


O livrinho que inspirou meu "delicado" apelido
O tempo é algo que tem me intrigado ultimamente. Ele passa rápido (o velho clichê), em contraposição ao modo como levo a vida. Vinte anos que, na minha adolescência, eram muita coisa, passam assim, rapidinho. Outro dia estava dançando "London, london" em um bailinho de garagem. E isso já faz mais de vinte anos. Os vestibulandos de hoje nasceram no ano em que o Senna morreu. E eu já estava na faculdade.´

Paulinho Moska tem uma bela música que se chama "O que você faria"?, música, aliás, que foi tema de uma novela curtinha da Globo: "O fim do mundo", a última do Dias Gomes:

Ia manter a sua agenda
De almoço, hora, apatia?
Ou esperar os seus amigos
Na sua sala vazia


Na novela, diante do fim do mundo iminente, os personagens mudavam, resolviam velhas pendências, cometiam ousadias, apressavam decisões. Com a perspectiva próxima, novamente, de mais uma destas  datas apocalípticas (o ano de 2012), me vi ouvindo a música do Paulinho Moska e  perguntando o que eu faria se fosse verdade. Mudaria algo? Provavelmente, sim.

Será que a gente precisa saber que vai morrer amanhã para "apressar o rio"? Será que a máxima da vida deve ser que "a pressa é a inimiga da perfeição"? É medo ou procrastinação? Urgência não precisa implicar em desespero. E algumas coisas, definitivamente, não podem esperar, embora talvez o mundo não acabe amanhã.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

O final da novela das nove

E Ana Paula Arósio escapou de boa heim, minha gente? Marina Drummond deve ter sido a mocinha mais chata de novelas ever.  Paola Oliveira pode ser ladra de maridos, mas não merecia um papelzinho tão chinfrim.E a Arósio lá no sítio dela, curtindo o marido e os cavalos, certíssima.

Devaneios à parte, vamos aos trabalhos. Gilberto Braga jogou uma pá de cal nas minhas esperanças de um bom novelão. Insensato Coração foi uma das novelas mais sangrentas  já exibidas na Globo, a ponto de eu deixar de assistir muitos capítulos por conta da violência e da gritaria.  E, embora os autores se repitam em suas tramas, a ponto de terem uma marca registrada, eu não reconheci Gilberto Braga em uma de suas características mais interessantes: a qualidade dos seus diálogos. Afinal, todo o resto estava lá: um vilão carismático, a classe média carioca, uma trilha sonora antiguinha e o fatídico "quem matou".

"Vale Tudo", a obra prima braguiana, foi reprisada recentemente com grande sucesso. Eram outros tempos, é bem verdade. O elenco era menor, as cenas (e os diálogos) mais longos e a internet não fazia sombra para a audiência. "Insensato Coração" tentou inovar (e tornar a trama mais ágil) com personagens que entraram e saíram, com subtramas que iniciavam e terminavam com a participação deles, a exemplo das séries americanas. Alguns disseram a que vieram, outros não fariam a menor falta. E, ao contrário de "Vale Tudo", a maioria dos personagens tinham a profundidade de um pires.

A abordagem da temática homossexual começou corajosa. Gilberto Braga abordou o tema em vários dos seus trabalhos anteriores ("Brilhante", "Vale Tudo","Paraíso Tropical", apenas para citar algumas), mas não de forma tão ampla. Uma pena que a emissora cortou cenas e inibiu o crescimento da participação do casal gay fofo da trama (Eduardo e Hugo). O casal acabou virando um casalzinho asséptico e assexuado, assim como foi o casal gay de "Paraíso Tropical", do mesmo autor. País estranho este em que um beijo entre homens choca a audiência, mas a prostituição gradual de Natalie Lamour (Deborah Secco) e a violência gratuita de Vinícius (Thiago Martins), não. Aliás, justiça seja feita: os dois atores roubaram a cena da novela muitas vezes. Deborah Secco tem alguns vícios que se repetem em personagens diferentes, mas ela é carismática e motivou muitos dias a minha ida a academia durante os últimos meses. E eu fiquei realmente com medo do Thiago Martins.

O personagem Leo não me cativou, sorry. Gabriel Braga Nunes não tem o carisma de Fábio Assunção (o "Renato Mendes"), nem de Wagner Moura (o "Olavo Novaes"). E esses últimos tinham mais humor e "sex appeal". Norma tinha tudo para ser uma senhora personagem, ainda mais nas mãos de Glória Pires. A vingança de Norma foi o ponto de virada da novela. "Insensato Coração" virou a "novela da Norma". No entanto, achei a morte dela desnecessária. Ela poderia ser humana (ter características vis e boas), mas não tão incoerente. Norma tinha crises de consciência, não era um Leo. Aí passou a não ter, virou uma criminosa fria. O "quem matou" poderia ser com Leo, por exemplo. Assim como Odete Roitman, tinha uma pá de gente querendo acabar com ele. Para Norma, os autores precisaram criar praticamente todos os suspeitos em um capítulo. E a respeito da assassina atrapalhada Wanda, não tenho muito a comentar. O expediente da pessoa enlouquecer no final do capítulo é algo que me irrita um pouco.


Marina e Pedro: o casal impróprio para diabéticos

E por fim, voltamos à mocinha. Já disse em inúmeros posts, e repito: mocinha de novela não precisa ser idiota e cenas de amor não precisam ser ridículas. Paola Oliveira é linda e chatinha, mas a personagem foi mal escrita. E Gilberto Braga escreveu Solange Duprat de "Vale Tudo"! É claro que tínhamos Lídia Brondi, mas ela não tinha que recitar frases que mais pareciam retiradas de "A moreninha". E Eriberto Leão, meu querido, volte para as novelas do Benedito Rui Barbosa. Você é bom de peão, em cima de um cavalo e com sotaque caipira.

domingo, 14 de agosto de 2011

Lerê, lerê...

Embora tenha ouvido e estudado a respeito, eu fui somente ter acesso aos efeitos do comunismo no Leste Europeu quando visitei algumas cidades, há alguns meses atrás. E conheci mulheres jovens que, até a adolescência, nunca tinham ouvido falar dos Beatles ou Elvis Presley, por exemplo.
Qualquer manifestação da subjetividade era reprimida; qualquer adoração religiosa ou cultivo de ídolos que não fossem os seus governantes era proibida. Cabeças de santos foram cortadas, muitas igrejas e templos destruídos. Poesias, canções que não fossem relacionadas à exaltação dos governos ditatoriais não podiam existir. Hoje, mais de vinte anos após a queda do Muro de Berlim, símbolo máximo da Europa comunista, uma certa melancolia  ainda pode ser percebida em cidades como Budapeste e Praga.
No entanto, ainda na década de oitenta, uma novela brasileira conseguiu ultrapassar a cortina de ferro. Ela foi talvez, a novela mais vista no mundo todo: "A escrava Isaura", de 1976. Hoje, talvez eu possa entender melhor o fenômeno.
Arrisco-me a dizer que mais do que  Pelé,  futebol e Carnaval, em Budapeste, os brasileiros são associados a Isaura (Lucélia Santos). Você fala que é do Brasil e eles dizem "Isaura", com aquele sotaque engraçado. Conversando com nossa guia, ela me explicou que a figura de Isaura foi a primeira a despertar paixão nos húngaros depois de muito tempo. "Não somos um povo muito apaixonado", ela disse, "especialmente depois de anos de guerra e repressão, mas a novela brasileira mudou um pouco isso". Devemos lembrar que o romance de Bernardo Guimarães, que deu origem à novela, é a história de uma escrava branca, doce e pura de coração que é vítima de seu senhor, devasso e cruel. O senhor Leôncio (Rubens de Falco) faz, durante a novela, as maiores maldades com Isaura, inclusive assediando-a, mas ela resiste e suporta. Em uma das frases do romance, diz ela que Leôncio é dono do seu corpo, mas não do seu coração:“ Não, por certo, meu senhor; o coração é livre; ninguém pode escravizá-lo, nem o próprio dono.”


A guia de Budapeste contou-me que era comum inclusive pessoas céticas e intelectuais juntarem dinheiro para comprar a liberdade da escrava Isaura enquanto a novela passava por lá. A visita de Lucélia Santos ao país foi um fenômeno. Pessoas saíram de casa com um frio de vinte graus negativos para poder ver a atriz. 

Pensava comigo: o que tem a "Escrava Isaura" como novela para fazer tanto sucesso assim em países tão longínquos como Hungria, Rússia e a China? Parecía-me uma história comum, um folhetim como tantos outros. Entendi, enfim, que uma história abolicionista brasileira tinha, de fato, muito a ver com o desejo de liberdade de muitos povos entregues a seus "senhores", tão cruéis como o assustador Leôncio. Parece que a novela, mais do que entretenimento, trazia um sopro de esperança através da identificação com a escrava. E também eu, depois desta experiência de viagem, passei a ver  a novela (primeira escrita por Gilberto Braga) com outros olhos e outros afetos.

domingo, 7 de agosto de 2011

O delicioso cinema dos anos 90

Naquele mecanismo comum que a gente tem de idealizar o passado, eu achava, nos anos 90, que filme bom eram os velhões, sejam os da era dourada de Hollywood, sejam os da nouvelle vague francesa. No entanto, eu nunca fui tanto ao cinema como naquela década. As boas salas de cinema ainda não tinham sido abocanhadas pela Igreja Universal e uma penca de filmes bons inovavam em estética e roteiro.

A década já começou "matando a pau" com thrillers como o eletrizante "O silêncio dos inocentes"(1991) e o polêmico "Intinto Selvagem"(1992). A partir da cruzada de pernas de Sharon Stone, a atriz tornou-se conhecida do grande público e foi considerada a mais bela mulher do mundo, com seus traços absolutamente simétricos. Após a brega e hiperbólica década de 80, chique era ser minimalista como Sharon e seus visuais limpos e sem frufrus.

Filmes sobre amizades intensas entre duas mulheres (com conotação implícita ou explicitamente sexual) invadiram os cinemas. Foi a década dos clássicos "Tomates Verdes Fritos"(1991) e de "Thelma e Louise"(1991), além do assustador "Mulher solteira procura"(1992). A temática feminista  presente nos dois primeiros filmes já havia sido abordada de outra maneira em "Acusados" (1988) na década anterior. No entanto, "Thelma e Louise", além de render indicações ao Oscar para suas duas protagonistas (Geena Davis e Susan Sarandon) o fez de forma mais marcante, com cenas que se tornaram antológicas. Isso, além de apresentar um novo galã: Brad Pitt.

Steven Spielberg, o diretor que já estava entre os jovens prodígios nos anos 70 e 80, inova com um longa metragem dos bons: "A lista de Schindler" (1993) que fez muitos chorarem no cinema. O filme, praticamente todo filmado em preto e branco faz uma abordagem mais crua do massacre dos judeus durante a segunda guerra. Gerou um documentário e várias controvérsias. A trilha, que conta com o conhecido John Williams era maravilhosa e cortante. Talvez este tenha sido um divisor de águas na carreira de Spielberg que também dirigiu o também vencedor de Oscars "O resgate do soldado Ryan" no final da década.

No entanto, foi em 1994 que a cerimônia do Oscar teve dois favoritos, inovadores a sua maneira. Foi o ano de "Pulp Fiction" e "Forrest Gump". Era um tanto óbvio que a conservadora Academia de Artes Cinematográficas não daria o Oscar ao sangrento e genial "Pulp Fiction", mas valeu a expectativa. Foi o filme que me apresentou a Quentin Tarantino e ressuscitou meu ídolo de outras épocas, John Travolta. A fábula de Forrest Gump acabou levando a melhor. A história do cara comum  e limítrofe que atravessa as décadas do século XX interagindo com personagens icônicos sem se dar conta foi, de fato, encantadora. E consagrou Tom Hanks que já ganhara o Oscar no ano anterior pelo igualmente inovador "Philadelphia", que abordava os preconceitos enfrentados por um portador do vírus da AIDS e homossexual. Todos estes filmes tinham trilhas sonoras pra lá de caprichadas.



Uma Thurman seduzindo John Travolta em "Pulp Fiction"
Enquanto isso, o polonês Kieslowski apresentava sua trilogia (Trois Couleurs: Bleu, Blanc et Rouge) e Almodóvar conquistava o público mundial com seus "Áta-me", "Kika" e "Carne Trêmula", além da visão maravilhosa de Antonio Banderas. Até o cinema nacional dá uma garibada e nos mostra no mesmo ano "Carlota Joaquina" (1995) e "O quatrilho", além de fechar a década com o sensível "Central do Brasil" (1999).

Hoje, os anos 90 já são passado. Nada como o tempo para valorizar o que se passou. E no caso, o cinema foi bom mesmo. E a época também. Saudades imensas do cine Bristol de Ribeirão Preto que, por sinal, virou igreja.