quinta-feira, 27 de junho de 2013

Adoro um amor...inventado?

"O amor é uma crença emocional e, como toda crença, pode ser mantida, alterada, dispensada, trocada, melhorada, piorada ou abolida. O amor foi inventado como o fogo, a roda, o casamento, a medicina, o fabrico do pão, a arte erótica chinesa, o computador, o cuidado com o próximo, as heresias, a democracia, o nazismo, os deuses, as diversas imagens do universo. Nenhum de seus constituintes afetivos, cognitivos, ou conativos é fixo por natureza." (Jurandir Freire Costa)


As maiores estórias de amor são sobre desencontros, eu li uma vez. De "Romeu e Julieta", passando por "Casablanca" e "As pontes de Madison", ninguém resiste ao drama de um casal que se separa no auge da paixão (por morte, por impossibilidade, pela guerra, por neurose, whatever). O romance impossibilitado torna-se, na promessa do que não foi, encantado. Em lembranças, torna-se a própria representação da felicidade perdida.  Ah, se eu estivesse com ele (ela), aí sim eu seria feliz. Será? "Antes da meia noite", último filme da trilogia dirigida por Richard Linklater e estrelada por Julie Delpy e Ethan Hawke, faz troça do amor romântico, brincando com a promessa do casal perfeito.

O casalzinho "fofo" de "Antes do Amanhecer"
O primeiro filme "Antes do Amanhecer" (de 1994) conta o encontro (e desencontro) do jovem casal em um trem na Europa. Ambos têm vinte e poucos anos e resolvem passar o dia todo em Viena, descobrindo a cidade e trocando idéias sobre a vida. Apaixonam-se, mas se separam, combinando de se reencontrarem seis meses depois. Ela, Celine, não aparece. Ele, Jesse, escreve um livro sobre o mágico encontro dos dois em Viena. No segundo filme, "Antes do pôr do sol" (de 2004), Jesse lança o livro e Celine vai, enfim, encontrá-lo. Em Paris, eles  passeiam pela cidade e contam um para o outro o que fizeram ao longo dos anos em que ficaram separados. No fim do filme, o suspense: eles, enfim, ficariam juntos? A resposta vem com o último filme, lançado agora: sim, eles se casaram e tiveram duas filhas gêmeas. E Jesse não resiste a olhar uma bunda de mulher, assim como Celine engordou e tem queda de cabelos. O filme é, sem dúvida, um tapa na cara do amor romântico e, por isso mesmo, talvez o melhor da série.

O amor romântico, que é uma criação do século XVIII, ainda permanece em nossos dias como um fim a ser alcançado e como sinônimo de felicidade. Acredita-se que quem não ama romanticamente, não ama "de verdade" e que, se o amor acaba, é porque "não era amor". O casamento ainda aparece como a coroação do "amor verdadeiro" e, por isso mesmo, implica muitas espectativas. Quanto maiores as espectativas, maiores são as frustrações e, por isso mesmo, muitos casamentos se transformam em um mar de ressentimentos cumulativos. Celine e Jesse viveram um encontro mágico eternizado em livro (Jesse, inclusive tem vários fãs por conta disso). No entanto, o  que eles vivem no casamento, quase vinte anos depois, está bem longe de "magia" e encantamento.

O espectador é convocado, a quase todo o tempo, a ser um terapeuta de casal. É fácil observar onde estão as feridas da relação e as falhas de comunicação. Um diz A, o outro entende B. Os dois concordam no mesmo ponto e discutem justamente por isso. Há toda uma série de mágoas pelo que foi renunciado ao longo dos anos para que eles ficassem juntos. Quem, afinal, renunciou "mais" e investiu "mais" no relacionamento?


Um casal em crise em "Antes da meia noite"

Julie Delpy e Ethan Hawke, o casal de protagonistas, são amigos de longa data. Os dois atores, inclusive, são co-autores do roteiro. Isso, sem dúvida, dá maior verossimilhança aos diálogos e a química entre os dois é impressionante. O fato de envelhecerem na frente das câmeras é algo que chega a ser comovente. Julie Delpy aparece quase sem maquiagem e aparenta a idade que tem, com todas as rugas e quilos a mais. Ethan Hawke, que era um menino, aparenta muito mais idade. Ainda assim, as cenas de sexo (fundamentais neste filme) são muito mais explícitas do que nos dois primeiros da trilogia.

"Antes do pôr do sol" é um filme que vale a pena. Apesar dos desencontros entre o casal, há diálogos deliciosos que são somente possíveis entre pessoas que tem intimidade e familiaridade. Os dois discutem e se ferem, mas riem e também se divertem. A cena em que Celine finge ser burra para conquistar Jesse é hilária. É isso, talvez, que diferencie este enredo  do de outros filmes que falam da deterioração de um casamento ( como "Blue Valentine" e "Foi apenas um sonho"). O ideal de amor romântico é tirano, mas é possível sobreviver a ele. E melhor: é possível criar outras formas de amar.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Viva la Revolucion!

Eu nasci nos anos 70. Naqueles tempos, o Brasil ainda estava sob domínio de um regime ditatorial e militar. Não foram os tempos mais duros da ditadura, mas os programas de televisão (inclusive novelas e shows) somente eram exibidos depois de passarem por censura. Lembro-me bem do documento da censura federal que antecedia o início dos programas, ainda que eu não entendesse o porquê daquilo. Na escola, tudo o que eu deveria aprender (e decorar) era a ordem dos presidentes do Brasil até aquele momento. O que eu sabia era que os presidentes tinham nomes estranhos para uma criança (como Garrastazu Médici e Geisel). O último (com nome mais fácil) era o Figueiredo, cuja semana eu sempre acompanhava pela TVS (atual SBT), nos intervalos do programa Domingo no Parque. "A Semana do Presidente" era um boletim semanal narrado pelo Lombardi.

"Atenção senhores pais: terminou o horário permitido para menores de doze anos"
Os anos 80 foram especialmente difíceis. Tancredo Neves era a esperança de novos tempos, apesar de ter sido eleito em uma votação (ainda) indireta. Aí veio o governo Sarney e seus milhões de pacotes econômicos e moedas. O ítem mais importante em qualquer casa de classe média era o freezer, pois tínhamos de fazer estoque de comida, especialmente de carne. Por conta da hiperinflação, um mesmo produto poderia ter dois, três preços no mesmo dia. Assim sendo, fazíamos aquelas compras imensas no supermercado para durar no mínimo dois meses. Era a forma de economizarmos. Refrigerante, cereais, iogurte e bolacha recheada eram puro luxo. Caríssimos, só eram consumidos em dias especiais. Nem toda casa tinha linha telefônica; extensão no quarto só em casa de gente rica. Muitas vezes um filme ficava na máquina fotográfica por mais de um ano, esperando para ser revelado. E quando era, a surpresa: muitas fotos mal tiradas e as fotos-mico que hoje não existem mais.

Aí veio Fernando Collor de Mello, o jovem desconhecido de Alagoas "vendido" como o "caçador de marajás". Após anos de sofrimento, finalmente vieram as tão sonhadas eleições diretas e Collor ganha de Lula, no segundo turno, em 1989. Em meio aos escândalos de corrupção, além da crise econômica do governo Collor, a rede Globo (ironia) exibiu, em 1992, uma minissérie chamada "Anos Rebeldes" (atualmente em reprise no canal VIVA). A minissérie contava o romance entre uma jovem "alienada" Maria Lúcia (Malu Mader) e um rapaz engajado com a luta armada nos anos 60 e 70, João Alfredo (Cássio Gabus Mendes). No entanto, quem roubou a cena foi Claudia Abreu, com sua Heloísa, a patricinha que se transforma em guerrilheira. Encantada com Heloísa, fui estudar mais sobre a ditadura militar, não só no Brasil. Muitos outros adolescentes fizeram o mesmo. O movimento dos "Caras-Pintadas", um movimento predominantemente jovem e com um objetivo pontual (tirar um presidente) foi fortemente influenciado por uma minissérie global (da mesma Globo que encobrira militares e que tinha ajudado a eleger Collor, anos antes). Saímos às ruas ao som de Roda Viva, o clássico de Chico Buarque de 1967.  Não tenho nenhum registro fotográfico da época pois não tínhamos a dimensão de que era um fato histórico. Naqueles tempos, ao contrário de hoje, era preciso acontecer algo importante para tirarmos fotografias. Após a votação do impeachment de Fernando Collor, em Setembro daquele ano, todos comemoramos e acabou aí. Presenciei muita gente engajada no movimento dos Caras Pintadas, mas alguns íam às manifestações pela festa. Os hinos do "Fora Collor" eram muito engraçados. As manifestações foram pacíficas e sem confronto com policiais.
A economia estabilizou-se após 1994. No entanto, os escândalos de corrupção nos governos FHC e Lula foram se tornando cada vez piores e mais explícitos. Fui eleitora de Lula e do PT por muitos anos, mas Luiz Inácio da Silva e sua quadrilha fazem Collor, hoje, parecer um ladrão de galinhas.

Não sou mais uma criança que só sabe pedaços de uma história mal contada, nem tão pouco uma adolescente idealista. Eis que no dia 17 de Junho de 2013, mais de vinte anos depois do "Fora Collor", eu presencio o povo sair às ruas em um movimento grandioso, por todo o Brasil.  Parece-me algo muito, mas muito maior do que o "Diretas Já" e as manifestações dos "Caras-Pintadas". Hoje temos a internet a nosso favor. Acompanhei pelo twitter as discussões se o movimento deveria ou não ter pauta, bem como se deveriam ser em avenidas importantes as manifestações. Alguns diziam que pauta era coisa de reunião de condomínio, outros queriam deixar as coisas mais organizadas. O que importa é que o aconteceu. Foi bonito de ver. Seja por tarifa zero ou não, o recado foi dado. Estamos todos insatisfeitos com o que tem sido feito do Brasil até então. Não há um sistema de saúde decente, não há transporte bom, não há educação, não há segurança. Que nos impliquemos, enfim, de corpo, alma e voz. Qual é, afinal, a parte que nos cabe?

segunda-feira, 10 de junho de 2013

O que se perde quando se perde alguém?

"O que se perde quando se perde alguém? Não perdi nesta ou naquela característica o ser amado. Não é porque minha mulher tinha aquele tom de cabelo ou a suavidade nas mãos que eu a amava. Por mais que faça a lista de seus atributos, sempre haverá um que resta descrever. Por outro lado, cada elemento desta lista de atributos pode ser encontrado às dúzias no mundo. O que houve? Em uma primeira resposta, diremos que a morte levou consigo a possibilidade disso tudo estar reunido. Esta possibilidade acrescenta-se subtrativamente à série de traços, pois não é em si um atributo, mas pura suposição. Podemos então acrescentar à série de traços, este indizível a-mais. É exatamente este a-mais que se perdeu. Em outras termos: o que se perdeu é sempre impossível de se esgotar com uma nomeação" (Marcus André Vieira)