quinta-feira, 11 de julho de 2013

Mas as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão...

Ela tinha noventa anos e ainda conservava o que havia sido uma de suas marcas registradas: o senso de humor. Minha avó Alzira não costumava levar as coisas a sério; nem ela mesma, nem a velhice, nem a morte. Os olhos azuis miúdos mantinham a leveza dos vinte anos e, por isso mesmo, era comum olharmos para ela como uma menina. Eram estes olhos que gostavam de contemplar o que era belo, fosse um vestido, uma casa ou mesmo um rapaz. Namorar, para ela, era das coisas mais importantes da existência. Na última vez que a vi, é claro que ela me perguntou dos namorados. E contou que havia comprado uma bolsa nova (e bonita). E mostrou o álbum de fotos dos irmãos e dos netos (todos "lindos"). E fez tudo isso outra vez, e outra e outra. No entanto, chamou-me pelo nome: ela sabia que eu era a "Lê". Minha avó ainda estava ali.

Há algumas semanas, no entanto, ela começou a ir embora. Raramente abria os olhos e estava angustiada, ela que passou a vida sem conhecer a angústia. Não reconhecia as pessoas, chorava, não conseguia dormir. Eu hesitei em ir vê-la. Queria lembrar dela me mostrando a bolsa nova. Em pura negação, eu pedi a minha mãe: "Quando ela voltar a reconhecer as pessoas, você me avisa?". E minha mãe, como quem fala com uma criança: "Filha, sua avó mal consegue abrir os olhos...."
 
Dona Alzira morreu, de fato, na semana passada. Já tinha partido antes, mas sempre havia uma esperança de melhora, de que ela voltasse a ser o que era, que voltasse a gargalhar, mesmo que os dados de realidade apontassem justamente o contrário. A morte de minha avó fez com que eu pensasse em outras mortes, pequenas delas que vivemos em vida e de como é difícil lidarmos com elas. Amizades que fizeram sentido em uma época, mas que agonizam, empregos que sobrevivem respirando "com ajuda de aparelhos", relações amorosas que se alimentam da nostalgia de um tempo "bom" que passou. Até quando manter a vela "acesa"? Quando é hora de apagá-la? Enquanto houver esperança de "cura", o luto não se faz.
 
Quando somos crianças, os personagens de desenhos animados explodem com dinamites, mudam de forma e cor, caem de precipícios, mas reaparecem sãos, salvos e inteiros, como se nada tivesse acontecido. Cedo aprendemos (e devemos aprender) que na vida adulta não é assim, embora haja esta dificuldade toda de resignação. Algumas coisas são irreversíveis. Vasos quebrados às vezes não colam, pessoas queridas vão embora e não voltam. Tão simples e tão comum, mas tão difícil. Resta a saudade, esta coisa doída que afinal pode ser uma coisa boa.  E eu já tenho saudade (muita) da alegria infantil da minha avó.

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