"A arte existe porque a vida não basta" (Ferreira Gullar)
Sophie namorava Gregoire. Em um belo dia, ele terminou o relacionamento com ela. Por e-mail. Entre outras coisas, o e-mail trazia uma recomendação: "Prenez soin de vous" (Cuide-se). O recado não poderia ser mais claro (era um fora!). No entanto, a escritora e artista Sophie Calle enviou o e-mail para 107 mulheres (de nacionalidades e profissões distintas) para tentarem dar uma nova significação à carta. Os 107 novos sentidos para um simples e-mail resultaram em uma exposição de arte. Ou seja, uma mania muito presente entre mulheres (o que será que ele quis dizer com isso?) virou produção e gerou dinheiro. Lembrei de Sophie nestes últimos dias, em meio às discussões sobre o DSM-V e diante uma receita médica antiga que andou circulando pelas redes sociais.
A famosa receita médica (com letra legível!) |
Consta que Sophie, ao procurar por ajuda psiquiátrica ao término de seu namoro, teria sido atendida no hospital público de Paris. A médica (fofa), Catherine Solano, recusou-se a medicá-la com antidepressivos: "Você está apenas triste" - redigiu ela. E terminou a receita com uma afirmação que se concretizou, enfim: "Você encontrará recursos para reagir". Sophie Calle encontrou. Não adoeceu. Fez arte.
A nova versão do Manual de diagnóstico de Doenças Psiquiátricas (o DSM-V) traz várias modificações polêmicas, sendo uma das principais, a psiquiatrização do luto. O trabalho de luto (após a morte de alguém, término de relacionamento, perda de um projeto de vida, enfim) que é, afinal, algo tão fundamental à vida, está classificado como doença mental no novo DSM. Pelo novo manual, Sophie, que sofria pelo fim de uma relação de amor, estaria doente e deveria ser medicada. Assim como todos nós que um dia já sofremos com um fim.
É claro que existem dores psíquicas muito intensas que precisam, sim, de ajuda medicamentosa. No entanto, fiquei pensando se Sophie Calle teria montado, afinal, sua exposição de arte se tivesse sido medicada. Talvez sim, não dá para saber.Não estava doente, contudo,e encontrou recursos (que não um psicofármaco) para reagir. Que bom se todos pudéssemos "fazer arte" a partir de um e-mail. No final das contas, Sophie seguiu o conselho de Gregoire. Ela se cuidou, ao seu modo.
Um comentário:
A arte existe para que nos iludamos com a realidade. Viva a arte, fuja do real.
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