quinta-feira, 17 de setembro de 2015
Qual é a regra do jogo?
"Brasileiro quer inventar moda de fazer novela como se faz os seriados americanos. Não adianta. Não rola". Escutei isso de um amigo, ao conversarmos sobre a nova das nove, "A regra do jogo", novela que ainda não emplacou (pelo menos em audiência e no twitter). "Novela brasileira tem que ter mocinho-mocinho, vilã-vilão, senão o povo se confunde, não tem para quem torcer", concluiu ele. Na ocasião, fiquei em dúvida se concordava ou não com a tese.
João Emanuel Carneiro, o autor de "A Regra do Jogo", ficou mais conhecido depois do fenômeno de três anos atrás "Avenida Brasil". Novela, aliás, que diziam ter sido inspirada especialmente em "Revenge", série americana que perdeu fôlego logo, embora tenha ficado no ar até Maio deste ano. "Revenge" é uma série mais operística, com ares de novelão mexicano, com uma construção de personagens bem distante da complexidade de outras séries como Breaking Bad, Mad Men ou Sopranos. O que aproximava a Nina de Débora Falabella da Emily de Amanda Clarke era o mote: Vingança. Mas foi só.
"Avenida Brasil" trouxe duas protagonistas femininas fortes: Nina e Carminha. Embora, à priori, Nina fosse a mocinha e Carminha, a vilã, ambas tinham nuances de caráter. No entanto, Nina foi apresentada ao público como uma garotinha, na primeira fase da novela, abandonada à própria sorte pela madrasta má. E em um lixão. O público, embora tenha amado Carminha, sabia para quem torcer.
Em 2008, em "A Favorita", o telespectador ainda não sabia quem era a mocinha uns bons capítulos após a novela ter começado. Quem era a vilã? Flora ou Donatela? A revelação, que viria apenas na metade da trama, teve de vir antes, pois a novela perdia audiência. A vilã, para surpresa de muitos era a angelical e pobre Flora (Patrícia Pillar) e não a rica perua Donatela (Cláudia Raia). Flora, de fato, tinha sido presa por ser uma assassina perigosa e não por injustiça. O público, então, tornou-se cúmplice de Donatela, embora o elenco todo fosse enganado por Flora. A novela foi um sucesso. Flora era uma vilã ainda pior que Carminha, pois não gostava da filha, Lara. Carminha, ao menos, amava Jorginho, o filho adotivo (embora espezinhasse Ágata, a filha gordinha).
Em "A Favorita", um ator chamou a atenção em um papel pequeno. Era Alexandre Nero, como o verdureiro Vanderlei. Com um olhar doce, ele era apaixonado por uma mulher casada que era agredida pelo marido, Catarina (Lília Cabral). Alguns anos e um Comendador depois, Nero faz agora o protagonista de "A Regra do Jogo": Romero Rômulo. Da série de personagens principais fortes e ambíguos de João Emanuel Carneiro, surge, agora um homem. As anteriores eram personagens femininas.
Nero tem o "physique du role" para Romero Rômulo. Embora não haja resquícios do Comendador em Romero, está lá o tal charme cafajeste que, claro, deve ser do ator. Nero é um homem comum, tem cabelos grisalhos, olhos muito grandes e facilmente fica acima do peso, mas é irresistível. Faz bem tanto as cenas cômicas como as dramáticas (aquelas dele com Cássia Kis dá vontade de bater palma sozinha na sala). No entanto, a ambiguidade dele é tanta que fica difícil de torcer por ele, ainda é confuso. Está ainda longe de ser um Walter White ou qualquer desses inúmeros anti-heróis fascinantes das séries americanas. O texto é bom, o ator é bom, mas falta. Nesse sentido, o Comendador de Império foi um personagem para lá de bem construído, um anti-herói dos bons, que o público adotou e amou. Não gosto do texto de Aguinaldo Silva, mas tenho de dar a mão à palmatória.
Enfim, tenho de discordar do meu amigo. O público noveleiro até compra os anti-heróis (houve tantos outros), mas tudo depende de como a história é contada para a galera embarcar junto com ele. Qual é a motivação do cara? Arrisco que o grande público não gosta de ser enganado e demasiadamente surpreendido. Quanto a mim, digo que o ritmo de trama policial da novela me cansa. Muito diálogo, muito estímulo, câmera escondida, o escambau. Tiro, porrada e bomba. Acho que estou trabalhando demais e queria um refresco à noite. Ou estou ficando velha mesmo. Uma "tia do sofá".
OBS1 : João Emanuel Carneiro já escreveu um personagem masculino forte, uma espécie de Macunaíma em "Cobras e Lagartos": o Foguinho, de Lázaro Ramos. No entanto, Foguinho foi um personagem cômico, em uma novela das sete, antes de JEC migrar para o horário nobre.
OBS2: Um anti-herói de novela das oito que gostei muito foi o Renato Villar, de Tarcísio Meira em "Roda de Fogo" (1986). O empresário frio e calculista vai se transformando ao longo da trama por conta de problemas de saúde, um aneurisma cerebral. Lauro César Muniz é um autor conhecido por construir excelentes personagens masculinos que vão se transformando ao longo da trama: Antônio Dias (de "Escalada"), o próprio Renato Villar e o inesquecível Sassá Mutema (de "O Salvador da Pátria"). Romero Rômulo, como Renato Villar, também tem uma doença crônica (a esclerose múltipla) que muito provavelmente terá papel fundamental nos rumos do personagem.
OBS3: Ah, em 2012, escrevi sobre Avenida Brasil aqui.
quinta-feira, 3 de setembro de 2015
Pedaço de Nada
“O que você quer ser quando crescer?” perguntavam ao pequeno, como os adultos que querem conversar com as crianças, mas não sabem como, perguntam a todas as crianças.
“Astronauta”, “cabeleireiro”, “piloto de fórmula um”, “médico”, “não quero crescer”, os meninos comuns respondiam.
Mas ele, que só queria ser comum, dizia “nada”, sendo diferente.
Cresceu, fez uma coisa e outra, mais uma coisa aqui e outra acolá, nada de mais, deu certo em algumas coisas e em tantas outras falhou, estava tudo bem. Ele era mais ou menos em tudo, não chamava muito a atenção em nada e aquilo era ótimo pra ele. Gostava de se sentir livre e só se sentia livre quando não despertava o olhar das outras pessoas.
Ficava com uma moça aqui, outra ali, nada de muito sério. Se de repente a moça começava a se interessar de um modo especial por ele, então ele rapidamente “sumia”, como elas diziam. Se afastava mesmo, o interesse dos outros por ele lhe era tão claustrofóbico quanto crise de síndrome de pânico em ônibus lotado em horário de pico. Por isso ele não tinha facebook, nem twitter, nem instagram, nem rede social alguma, lhe bastava o whatsapp para conversar reservadamente.
Num encontro casual, onde ele pretendia apenas mais uma relaçãozinha bem comum, um pedaço do nada dele pulou numa parte dela que ele não conseguia dizer qual era, ou ver qual era, ou sentir qual era. Ao ponto de duvidar da sanidade mental dele. Ao ponto de duvidar da existência dela. Ao ponto de cogitar, por três centésimos de segundos que ela fosse um extraterrestre querendo algo dele para levar ao planeta de origem dela. Ao ponto de, em seguida a esse pensamento, perceber que ele só podia achar que o nada dele era algo muito incrível ao ponto de lhe passar pela cabeça, ainda que fantasiosamente, que extraterrestres o quisessem. Ao ponto de entender, então, que não é que ele queria ser nada, mas é que ele se achava tão interessante, que tinha medo de que as pessoas pudessem roubar algo dele. Ao ponto de se apaixonar por aquela que tinha roubado um pedacinho do nada dele.
Mas porque confundiu amor com angústia (afinal, qual é mesmo a diferença?), se afastou dela ainda mais energicamente do que se afastava das outras.
Mas ele, que só queria ser comum, dizia “nada”, sendo diferente.
Cresceu, fez uma coisa e outra, mais uma coisa aqui e outra acolá, nada de mais, deu certo em algumas coisas e em tantas outras falhou, estava tudo bem. Ele era mais ou menos em tudo, não chamava muito a atenção em nada e aquilo era ótimo pra ele. Gostava de se sentir livre e só se sentia livre quando não despertava o olhar das outras pessoas.
Ficava com uma moça aqui, outra ali, nada de muito sério. Se de repente a moça começava a se interessar de um modo especial por ele, então ele rapidamente “sumia”, como elas diziam. Se afastava mesmo, o interesse dos outros por ele lhe era tão claustrofóbico quanto crise de síndrome de pânico em ônibus lotado em horário de pico. Por isso ele não tinha facebook, nem twitter, nem instagram, nem rede social alguma, lhe bastava o whatsapp para conversar reservadamente.
Num encontro casual, onde ele pretendia apenas mais uma relaçãozinha bem comum, um pedaço do nada dele pulou numa parte dela que ele não conseguia dizer qual era, ou ver qual era, ou sentir qual era. Ao ponto de duvidar da sanidade mental dele. Ao ponto de duvidar da existência dela. Ao ponto de cogitar, por três centésimos de segundos que ela fosse um extraterrestre querendo algo dele para levar ao planeta de origem dela. Ao ponto de, em seguida a esse pensamento, perceber que ele só podia achar que o nada dele era algo muito incrível ao ponto de lhe passar pela cabeça, ainda que fantasiosamente, que extraterrestres o quisessem. Ao ponto de entender, então, que não é que ele queria ser nada, mas é que ele se achava tão interessante, que tinha medo de que as pessoas pudessem roubar algo dele. Ao ponto de se apaixonar por aquela que tinha roubado um pedacinho do nada dele.
Mas porque confundiu amor com angústia (afinal, qual é mesmo a diferença?), se afastou dela ainda mais energicamente do que se afastava das outras.
( Lindo texto de Ana Suy Sesarino Kuss, publicado originalmente (aqui)
Assinar:
Postagens (Atom)