quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Pedaço de Nada

“O que você quer ser quando crescer?” perguntavam ao pequeno, como os adultos que querem conversar com as crianças, mas não sabem como, perguntam a todas as crianças.
“Astronauta”, “cabeleireiro”, “piloto de fórmula um”, “médico”, “não quero crescer”, os meninos comuns respondiam.
Mas ele, que só queria ser comum, dizia “nada”, sendo diferente.
Cresceu, fez uma coisa e outra, mais uma coisa aqui e outra acolá, nada de mais, deu certo em algumas coisas e em tantas outras falhou, estava tudo bem. Ele era mais ou menos em tudo, não chamava muito a atenção em nada e aquilo era ótimo pra ele. Gostava de se sentir livre e só se sentia livre quando não despertava o olhar das outras pessoas.
Ficava com uma moça aqui, outra ali, nada de muito sério. Se de repente a moça começava a se interessar de um modo especial por ele, então ele rapidamente “sumia”, como elas diziam. Se afastava mesmo, o interesse dos outros por ele lhe era tão claustrofóbico quanto crise de síndrome de pânico em ônibus lotado em horário de pico. Por isso ele não tinha facebook, nem twitter, nem instagram, nem rede social alguma, lhe bastava o whatsapp para conversar reservadamente.
Num encontro casual, onde ele pretendia apenas mais uma relaçãozinha bem comum, um pedaço do nada dele pulou numa parte dela que ele não conseguia dizer qual era, ou ver qual era, ou sentir qual era. Ao ponto de duvidar da sanidade mental dele. Ao ponto de duvidar da existência dela. Ao ponto de cogitar, por três centésimos de segundos que ela fosse um extraterrestre querendo algo dele para levar ao planeta de origem dela. Ao ponto de, em seguida a esse pensamento, perceber que ele só podia achar que o nada dele era algo muito incrível ao ponto de lhe passar pela cabeça, ainda que fantasiosamente, que extraterrestres o quisessem. Ao ponto de entender, então, que não é que ele queria ser nada, mas é que ele se achava tão interessante, que tinha medo de que as pessoas pudessem roubar algo dele. Ao ponto de se apaixonar por aquela que tinha roubado um pedacinho do nada dele.
Mas porque confundiu amor com angústia (afinal, qual é mesmo a diferença?), se afastou dela ainda mais energicamente do que se afastava das outras.

( Lindo texto de Ana Suy Sesarino Kuss, publicado originalmente (aqui)

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