quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Sobre novela, futebol e paixão...


“Um homem pode mudar de tudo. De cara, de família, de namorada, de religião, de Deus. Mas há uma coisa que não se pode mudar, Benjamín. Não se pode mudar de paixão.”

Esta frase emblemática marca um importante momento do filme argentino "O segredo dos seus olhos", de 2009. E é a partir dela que dois detetives encontram a pista que precisavam para encontrar um suposto assassino, apaixonado pelo time do Racing. Passaram-se anos, o tal homem havia mudado, por certo, mas a paixão pelo futebol continuaria ali, intacta, raciocinaram eles. E é nesse momento que é exibida, de forma magistral, uma das melhores cenas de estádio que eu já vi no cinema. É paixão pura, o que, aliás, é o tema central do filme (seja por um time, por uma mulher, por uma causa, por uma vingança). 

Sequência da cena de perseguição no estádio argentino de Huracán
 
"São demais os perigos dessa vida para quem tem paixão (...)" (Vinícius de Moraes)

Pensei no tema ao observar a corrida de muitas pessoas para voltarem para casa na última sexta feira para assistirem ao final da novela "Avenida Brasil", da Rede Globo. Muita gente ensandecida para saber logo o final de Carminha, Nina e da família Tufão. Falou-se até de riscos de queda de energia, tamanha seria a audiência. Não chegou a tanto. Comparou-se o final da novela com outro fenômeno de audiência neste ano que também esvaziou as ruas: a final da Libertadores, com Corinthians e Boca Juniors. Sou noveleira desde criancinha, mas não gosto tanto de futebol. No entanto, achei interessante e curioso tanto o movimento para ver a novela, como para ver o jogo.Ainda que não se goste do resultado, é um motivo pra festa, para adrenalina, para torcida, riso e choro. Não passa pelo pensamento racional. No outro dia, voltamos ao nosso cotidiano banal, seja para falar mal do Corinthians, seja para falar da Carminha assassina. É uma paixão dessas passageiras, a não ser que você seja torcedor da Fiel ou um stalker da Adriana Esteves.

Carminha, uma mulher de paixões

E, enquanto assistia à novela, comentei no facebook e twitter. No twitter, recebi ameaças (!) de unfollow. Em ambas as redes sociais, li comentários de que assistir à novela era reflexo da falta de cultura do brasileiro. Li também que quem assistia à novela não deveria saber quem é o ministro da Justiça ou da Educação do Governo Dilma (!). Pensei cá com meus botões: gente culta não assiste novela? Gente politizada não gosta de futebol? Por que tem de ser uma coisa ou outra? E por que, simplesmente, não podemos nos ocupar de bobagens de vez em quando?

Aí eu recorro ao Houaiss para falar de outro termo: alienação.

n adjetivo e substantivo masculino
2    que ou aquele que sofre de alienação mental; louco, maluco, doido
3    Uso: informal.
     que ou aquele que sofre de alienação, que vive sem conhecer ou compreender os fatores sociais, políticos e culturais que o condicionam e os impulsos íntimos que o levam a agir da maneira que age
3.1    que ou aquele que, voluntariamente ou não, se mantém distanciado das realidades que o cercam; alheado

Se há paixão por algo, existe sim, um quê de destempero e "loucura". A paixão aliena e estamos todos sujeitos a ela. Pode ser inclusive, a paixão por um partido político, por um teórico da psicanálise, por uma religião ou por um participante do BBB. Como se diz no senso comum, há louco para tudo e a paixão é democrática e cega. No entanto, eu não sou necessariamente uma alienada porque corri pra casa ver o último capítulo da novela.

"O segredo dos seus olhos" conta uma estória defendendo a idéia de que algumas paixões não mudam nunca. Algumas delas, aliás, podem até destruir uma vida. Não sei se concordo com isso. O que sei é que um pouco de paixão neste mundo em que os afetos precisam ser tão quantificados, racionalizados e medicados deve trazer algum bem. Nem que seja por uma noite. Pela Carminha, pelo Corinthians ou por alguém.

2 comentários:

Unknown disse...

Seu único problema é escrever pouco. Faria bem sermos brindados mais com sua inteligencia...

Letícia disse...

Pôxa, obrigada! Quem seria você, unknown? Volte.