sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

"Um dia", o filme.

“Dr. Jivago”, um dos maiores romances de todos os tempos, ganhou uma versão épica no cinema pela direção de David Lean. Já ouvi de muita gente que a versão cinematográfica consegue ser ainda melhor que o livro, que é uma obra prima. Hoje, não há como pensar no doce médico Yuri Jivago, sem lembrar de Omar Sharif. No entanto, não são raros os casos de leitores decepcionados com adaptações de livros para a tela grande, ou mesmo para a televisão. É muito comum a frase-chavão: “Ah, mas o livro é bem melhor”.

Omar "Dr. Jivago" Sharif
Pensando nisso, foi com uma expectativa pequena que fui assistir a “Um dia”, o filme adaptado do romance de David Nicholls, um dos meus livros preferidos do ano passado e que comentei aqui.

“Um dia” não é um “Dr. Jivago”. Nem o livro, nem o filme. “Dr. Jivago” é grandioso, conta as agruras da vida particular de um homem em meio a um momento histórico que mudaria toda a história do século XX. Jivago é o herói por excelência: o médico sensível, poeta, cheio de esperanças e ideais, mesmo quando tudo parece perdido. Já “Um dia” conta uma história banal, como tantas outras. Poderia ser a minha, a sua, a de qualquer pessoa. Dois amigos, uma garota e um rapaz, compartilham a vida durante vinte anos. Não há um sistema cruel ou um vilão ardiloso que os separa e que os impede de viver uma relação amorosa, mas os desencontros próprios da vida. Eles não conseguem viver juntos por medo, por narcisismo, por insegurança, por nada. Li em algum lugar e concordei. Enquanto na noite de formatura de ambos, um deles (a garota) queria mudar o mundo, o rapaz queria apenas usufruir do que o mundo poderia lhe oferecer.



A história pode ser banal, mas a forma de contar não é. É isso que faz o romance ser bom. Você se apega aos neuróticos protagonistas Emma e Dexter. Poderia ser você, poderia ser um (a) amigo (a) seu. Um livro tijolão de quase 500 páginas e lá está você apegado (a). Aí fica difícil a adaptação para o cinema, MESMO.

Uma boa notícia para quem leu o livro: você reconhece os personagens na tela. Estão lá Emma e Dexter. Anne Hathaway, fofa por excelência e o belo Jim Sturgess têm uma química danada. Você sente, no entanto, que tudo vai muito rápido. No livro, é uma relação construída com nuances ao longo de trocentas páginas e que, no filme, acabam resumidas em duas horas. Alguns detalhes importantes perdem-se e, com isso, os personagens também perdem em riqueza e complexidade. Para quem não leu o livro, o filme acaba sendo outro, entre tantos, daquela categoria tão criticada aqui no blog: um filme de chorar. Isso talvez explique o público abaixo do esperado e as críticas ruins.

Em resumo: lendo ou não o livro, vale a ida ao cinema. Não espere uma obra prima, não é um Dr. Jivago. Dentro do possível, e dentro do que cabe a um enredo aparentemente banal,  Lone Scherfig soube contar a história. “O apanhador do campo de centeio” é outro livro com uma história banal contada de uma forma fantástica. O autor J. D. Salinger nunca autorizou uma adaptação para o cinema, no que fez, acho, muito bem. Conseguem imaginar este livro emblemático transformado em um filme, traduzido em imagens? Eu não consigo. O cinema faz milagres, mas acho dificílimo a transposição de um texto psicologicamente denso para a telona. Mas isso, é claro, é só uma opinião.

Obs: Contardo Calligaris escreveu um dos seus textos mais sensíveis ao discorrer sobre o livro "Um dia". Se não conferiu, vale a leitura.

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