segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Eternamente responsável... Ou não.

Ao longo da minha vida, ganhei de presente duas edições diferentes de "O pequeno príncipe", de Antoine de Saint Exupèry. Nunca li o livro inteiro. Sempre houve um certo preconceito, confesso. Do alto da minha arrogância pseudo-intelectual, achava um livro menor, "literatura de miss", fofo demais. Aliás, tudo que é fofo em demasia me afasta em primeira instância: a cor rosa, ursinhos, o livro da Pollyanna (alguém lembra?), comédias românticas, Amélie Poulain. Depois, posso até gostar, mas a primeira reação nunca é boa. Ainda tenho horror às comédias românticas e aos livros da Pollyanna, mas tolero o rosa, e já chorei cântaros com a doce Amélie. Ursinhos eu dispenso. Já passei da idade.


Pequeno Príncipe dando a real

Voltando ao Pequeno Príncipe, o capítulo da raposa e da famigerada (e popular) frase "Tu te tornas ETERNAMENTE responsável por aquilo que cativas" sempre me causou calafrios. Achava a raposa uma carente perigosa, quase uma psicopata. Fazia lembrar Kathy Bates naquele filme horroroso "Obsessão Cega", além de outras personagens malucas de filmes similares. 

Medo eterno de Kathy Bates

Exagero, claro. Mas ETERNAMENTE sempre pareceu tempo demais. Tantas vezes cativa-se sem perceber. Relacionamentos acabam, amizades se esgotam, amores terminam. Uma das partes, fatalmente, pode sofrer mais. Até que ponto a parte que saiu bem da estória toda é responsável por essa dor do outro? Pouco responsável? Muito responsável? Depende tanto, de tantas coisas, de tantos fatores. 

Ressalvas à parte, há um trecho bonito (entre outros) na fala da Raposa para o principezinho. É o que transcrevo a seguir:

"E depois, olha! Vês, lá longe, o campo de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelo cor de ouro. E então serás maravilhoso quando me tiverdes cativado. O trigo que é dourado fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento do trigo... "

Hoje, se nos deixarmos cativar, é só substituir o "cabelo de ouro" do Pequeno Principe:

"Eu não bebo vinho. O vinho para mim é inútil. Cabernet Sauvignon e Malbec não me lembram coisa alguma. (...) Mas tu bebes vinho como ninguém. (...) Vinhos chilenos e argentinos farão lembrar-me de ti. E eu amarei o cheiro do vinho..."

"Eu odeio música sertaneja. Eu nem sei quem são Jorge e Matheus (...) Mas tu sabes todas as músicas deles decor (...) Ouvirei "Amo noite e dia" e lembrarei de ti. E eu amarei sertanejo universitário..."

"Eu só assisto filme americano dublado. Sabe-se lá quem foi Truffaut e Fellini (...) Mas tu adoras cinema europeu (...). Assistirei "La dolce vita" e lembrarei de ti. E eu amarei filmes sem entender o final..."

Mas diz ainda a raposa para o Pequeno Príncipe:

"Foi o tempo que perdeste com a tua rosa que a fez tão importante(...)"

Eu diria, então, se pudesse interferir na conversa: "Se algo bom ficou, caro principe, nunca é tempo perdido. Ainda que tua rosa vá embora, nunca será tempo perdido. Há que se tomar cuidado com os sentimentos das pessoas, mas você não é eternamente responsável pela rosa, nem por ninguém". E, fazendo agora um parentêses pessoal: Willy e Cláudia, meus sensíveis amigos, "O pequeno príncipe"  que era, para mim, um livro inútil, que não me lembrava nada, nunca mais será como tantos outros livros fofos. Pois me lembrarei de vocês. Sempre. :-)

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