quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Mais Almodóvar...

Este é um post antigo que escrevi a propósito de "Fale com ela", de 2006. O blog no qual eu publiquei o texto original está com acesso difícil. Na época, eu escrevi sobre meus diretores favoritos, entre os quais o cineasta espanhol.

Grandes diretores: Pedro Almodóvar

Almodóvar é diretor, ator, roteirista e cantor, dos mais famosos da Espanha desde Carlos Saura e Luis Buñel, referências importantes do cinema espanhol. Seus filmes têm uma marca intensa; há toda uma galeria de personagens "almodovarianos" facilmente reconhecíveis.

Comecei a assistir a seus filmes com "O matador" (1986) e "Áta-me" (1990), ambos com seu ator-fetiche da época: Antonio Banderas, que, aliás, perdeu muito de seu encanto ao "migrar" para Hollywood e casar-se com Melanie Grifith.
Almodóvar costuma tratar os dramas humanos elevados à décima potência, especialmente os do universo feminino. No entanto, seus últimos filmes têm perdido um pouco das "tintas fortes" (leia-se muito sexo, diálogos picantes, humor cáustico e violência) e se tornado mais dramáticos, ternos e auto-biográficos. Embora não tenha visto "Volver" (2006), o mais recente, com Penélope Cruz, gostei muito de alguns dos seus últimos. "Tudo sobre minha mãe" (1999) e "Fale com ela" (2002) são obras primas.



Antes de assistir ao filme, li que "Fale com ela" era um drama "almodovariano" que tratava do universo masculino, após um filme muito "feminino" que havia sido "Tudo sobre minha mãe". Na verdade, eu ainda acredito que Almodóvar fala também da mulher neste, mas através dos olhos e do entendimento de dois homens distintos, mas sensíveis e (por que não?) femininos. Os homens deste filme fogem completamente do estereótipo do macho latino.

A primeira cena do filme dá a idéia do que virá depois. Dois homens sentam-se lado a lado para assistir a um espetáculo de dança. No espetáculo, duas mulheres expressando muito sofrimento dançam e um homem tenta ter acesso às duas, sem sucesso. Enquanto a peça corre, um dos homens da platéia (o jornalista Marco -Darío Grandinetti) chora copiosamente enquanto é observado com curiosidade pelo enfermeiro Benigno (Javier Cámara). Acredito que a temática do filme seja justamente esta: a dificuldade do acesso ao amor de uma mulher e ao que uma mulher deseja. Enquanto Marco, após uma decepção amorosa, ira se envolver com uma mulher fálica, uma toureira com sucessivas relações fracassadas, Benigno está há quatro anos cuidando e amando uma mulher em coma após um acidente de carro. Com esta mulher, aliás, ele mal havia trocado algumas palavras, antes do acidente ocorrer. A vida desses dois homens irá se cruzar novamente ao longo do filme, bem como suas tentativas de amar e compreender as mulheres.


Segundo a psicanalista Sylvia Loeb, (...)"Freud via as mulheres como enigmas de difícil resolução, não conseguia compreendê-las, comparava-as a um imenso continente africano, exótico, diferente, intangível.Um dia, desanimado, perguntou-se: " O que quer uma mulher?" Questão à qual jamais logrou responder satisfatoriamente.Almodóvar responde a essa questão no próprio título de seu extraordinário filme: "fale com ela", diz Almodóvar a Freud: fale com ela."

Curiosidades:


- Este filme foi indicado ao Oscar de melhor direção, mas apenas ganhou o de melhor roteiro, em 2003.


- Caetano Veloso, amigo pessoal de Almodóvar, aparece cantando em cena, neste filme. A música é "Cucurucucu Paloma".


- Há uma outra música, lindíssima ("Por toda minha vida", de Tom e Vinícius) cantada por Elis Regina que serve de pano de fundo para uma grande cena do filme.

domingo, 20 de novembro de 2011

A "Tarântula" de Pedro Almodóvar


"Nossa, de onde alguém tira um roteiro desses? Só poderia ser o Almodóvar..."

Esta foi a primeira frase que disse ao sair do cinema depois de assistir "A pele que habito". No entanto, o roteiro não era de Almodóvar. "A pele que habito" é a adaptação do romance "Tarântula", do francês Thierry Jonquet. Trata-se de um filme com cores fortes, mas menos alegre e infinitamente mais tenso dentro da filmografia de Almodóvar. No entanto, estão lá a paixão, o drama, as belas canções, Marisa Paredes e Antonio Banderas, marcas registradas dos bons filmes do diretor espanhol.

Pelas mãos do diretor que o lançou, Banderas interpreta um soturno cirurgião plástico, um misto de médico e monstro vingador. Ele mantêm aprisionada uma mulher misteriosa e belíssima (Elena Anaya) dentro de uma mansão em Toledo. Alternam-se por ela repulsa, desejo e ternura. Quem, afinal, seria essa mulher?

Um mérito de Almodóvar é tornar os personagens principais incrivelmente humanos, por mais perversos que eles possam parecer. A miséria humana é mostrada de forma explícita e, embora muitas vezes nos sintamos muito distantes daquela realidade, não é difícil nos identificarmos com ela. O livro de Jonquet  mostra os personagens de forma muito mais repugnante. É o ódio em primeiro plano, e não o desejo.

No entanto, justiça seja feita ao livro: ele mantêm, tanto quanto o filme, um bom suspense. Eu já sabia o final e, ainda assim, o lia sobressaltada. "Tarântula", o nome do livro, é a forma como a prisioneira fala de seu algoz. "A pele que habito", o nome do filme, fala muito mais sobre o seu enredo do que possa parecer. O título conta a história. Almodóvar, definitivamente, é gênio.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

O amor depois dos sessenta

Isabella Rosselini, a bela filha da atriz Ingrid Bergman e do cineasta Roberto Rosselini, foi "o rosto" da Lâncome por uma década (1982-1992).

Modelo, logo ela se tornou estrela de cinema, atingindo o estrelato dirigida por aquele que seria seu marido, o genial (e louco!) David Lynch em "Veludo Azul"(1986). Isso porque ela já havia sido casada com Martin Scorsese.
Lindíssima, mas de uma beleza nada óbvia, Isabella Rosselini permaneceu na Lâncome até uma idade mais madura. Ela sempre se declarou contra procedimentos estéticos invasivos como cirurgias plásticas, permitindo-se envelhecer naturalmente.

O resultado disso pode ser observado em um filme delicioso que está em cartaz: "Late Bloomers", que ganhou o horroso subtítulo em português "O amor não tem fim". No longa, Isabella interpreta (pasmem!) uma mulher à beira dos sessenta anos e enfrentando as dificuldades inerentes à idade. Quem faz companhia a ela é o outrora super sexy William Hurt que já chegou, olhem só, aos 61 anos. É incrível pensar que são ambos hoje sexagenários.

Os dois atores interpretam um casal que está junto há trinta anos e que se depara com o envelhecimento. Enquanto o arquiteto Adam segue em negativa procurando trabalhar com uma equipe de pessoas mais jovens, Mary se apavora e tem uma hiper reação aos primeiros sinais de esquecimento. A difícil lida com a entrada nos sessenta provoca um afastamento do casal.

No entanto, fiquem tranquilos: o filme é uma comédia, embora trate de questões bem sérias e atuais. Hoje, quem chega aos 60, não está mais no fim da vida. Chamar de terceira idade ou melhor idade, só depois dos 65. No entanto, as duas expressões são péssimas e dispensáveis. Pensar que os sessentões de hoje estavam no auge nos anos 80 dificulta associar essas pessoas à velhice. Pior ainda se forem os outrora símbolos sexuais Isabella Rosselini e William Hurt (aliás, quem aí lembra de "Corpos Ardentes"?).

A comédia inova por tratar-se de um filme de amor de sessentões. Pensar que existe vida amorosa e sexual após os sessenta é um alento. E, sim, Isabella Rosselini continua sexy mesmo com rugas e alguns quilos a mais. E William Hurt continua me despertando os piores (melhores) sentimentos.

domingo, 6 de novembro de 2011

Cenas de um Relacionamento


Não se engane pelo pôster ou pelo título. "Namorados para sempre" (Blue Valentine - 2010) é um doloroso soco no estômago. O título em inglês (algo como "namorado triste") seria mais pertinente. Para mim, que há posts reclamo da previsibilidade das comédias românticas (ou dramáticas), este filme é um alento. Ou não.

Michelle Williams não deu sorte, assim como Nicole Kidman, ao ser indicada ao Oscar no mesmo ano que Natalie Portman com seu "Cisne Negro". É como se ninguém pudesse bater Natalie. Já comentei aqui sobre Nicole, mas Michelle Williams também tem uma atuação emocionante neste filme sobre a deterioração de um casamento. Fazendo um paralelo, ambas interpretam mulheres que sofrem ao se depararem com o naufrágio da união amorosa. Se em "Reencontrando a felicidade", o desencadeador do sofrimento do casal é a perda de um filho, em "Namorados para sempre" este fator não é tão claro. Nos dois filmes, as esposas mostram-se mulheres insatisfeitas, amarguradas e infelizes, ao lado de maridos um tanto quanto sensíveis e desorientados no sentido do que fazer para satisfazê-las. Ao mesmo tempo que facilmente elas podem ser vistas como garotas bacanas que se transformaram em bruxas malvadas, por outro, não é difícil entender porque elas chegaram a esse ponto.

"Namorados para sempre" é dirigido de forma quase documental, com longos closes no casal de protagonistas.  A beleza incomum de ambos fica em segundo plano, tamanha é a miséria humana que invade a tela. Ryan Gosling, que interpreta o doce Dean, é uma surpresa boa. Como eu não conhecia o ator, é como se ele fosse o próprio Dean. A química com Michelle Williams (nos bons e nos maus momentos) chega a ser impressionante.

"Blue Valentine" é um bom filme.Talvez não seja o ideal para assistir em um dia dos namorados, no entanto. É triste constatar que muitas vezes, a mesma característica que encanta quando a paixão acontece, é a mesma que pode causar repugnância, tempos depois. Remeteu-me a outro belo filme ("Foi apenas um sonho"), mas este é assunto para outro post. Será que eu volto para as comédias românticas?