domingo, 21 de abril de 2013

A outra estória da Barbie...

Descobri, recentemente, que Barbie, a boneca, foi inspirada numa boneca alemã, Lilli. Lilli não era uma boneca para crianças, mas uma espécie de  pin-up tridimensional destinada ao público adulto masculino. A partir dos anos 50, portanto, as meninas que até então brincavam com bonecas-bebês encenando cuidados com "filhinhos de mentira", passaram a encenar fantasias amorosas a partir de um brinquedo inspirado em uma boneca erótica. Barbie é uma mocinha sexy (cabelos fartos, um sorriso constante, seios grandes e uma cintura inimaginável). Ela tem um namorado bonito (Ken), muitos vestidos e pode ter várias profissões. Ultimamente, Barbie tem aparecido também nas versões princesa (Bela, Bela Adormecida, Branca de Neve). O fato de um brinquedo infantil de meninas ter partido de um brinquedo adulto erótico abre discussão para importantes questões.

Barbie com olheiras e sem photoshop: uma brincadeira com a suposta perfeição da boneca

Apesar dos critérios de beleza mudarem ao longo das décadas, a mulher magra e jovem (muito parecida com a Barbie) é um modelo contemporâneo a ser buscado. Com mais curvas ou menos curvas, magreza,beleza e juventude acabam sendo referências imaginárias associadas ao "sucesso profissional" e realização afetiva e sexual. Logo, se você está acima do peso (e da idade) terá menos chances de ser amada. Meninas vão aprendendo isso desde a mais tenra idade. Além da Barbie, também as princesas são lindas, jovens e magras. Aliás, a maioria das princesas são amadas justamente por serem muito bonitas (a mais bela do reino, a mais bonita do baile). Duas trazem Bela no nome: "A Bela Adormecida" e Bela (da "Bela e a Fera"). Elas são passivas em grande parte e esperam a chegada do príncipe que as salvam de uma realidade cruel. Quando lutam, lutam pelo amor do mocinho ("Pequena Sereia", "A princesa encantada"). Ou ainda entram em uma luta para salvar o pai, mas, no caminho, encontram o amor ("A bela e a fera", "Pocahontas" e "Mulan"). Por mais que nas estórias dos meninos também seja comum acontecerem relações amorosas (os super heróis, por exemplo, sempre têm uma namorada), não é este o fato principal. Os heróis lutam contra o crime organizado, querem salvar o mundo, querem se divertir com super podereres e TAMBÉM namorar.

Na falta, ou mesmo na dificuldade de encontrar uma definição para si, uma identidade, ainda hoje, muitas vezes, uma mulher espera do parceiro, como um espelho, poder captar uma imagem que possa informar algo sobre a sua identidade. Por essa razão, no discurso feminino, o ideal amoroso é tão presente: pois quando amada, sabe que é algo importante para alguém - o que já é uma certeza. As estórias infantis dizem isso. O final feliz vem, contanto que as princesas estejam acompanhadas de seus príncipes.

Mulheres apresentam, hoje, mais casos de anorexia e bulimia que os homens. Isso pode ser explicado de diversas formas, mas alguns dos dados apresentados acima ajudam a compreender uma melancolia que é tipicamente feminina. Quando se perde um objeto de amor, perde-se também uma identidade como mulher? Quem sou eu, se ele não me deseja, se eu não tenho um amor, se não tenho o "reconhecimento" pelos olhos de um "príncipe"?  Para pensar.


* alguns dados deste texto foram retirados do artigo "Uma melancolia tipicamente feminina" de Rosane Monteiro Ramalho, psicanalista. Aliás, um artigo que deve ser lido na íntegra.
** Barbie, vejam só, possui uma biografia não autorizada: Forever Barbie: The unauthorized biography of a real doll, de M.G. Lord
*** quem gostou deste texto, poderá também gostar deste: http://letrasdelets.blogspot.com.br/2012/01/sobre-cafajestes-e-princesas.html

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Qualquer forma de amor valerá

Qualquer maneira de amor vale aquela
Qualquer maneira de amor vale amar
Qualquer maneira de amor vale a pena
Qualquer maneira de amor valerá
 (Caetano Veloso)

Germain (Gerard Depardieu) e Margueritte (Gisèle Casadesus)
"Minhas tardes com Margueritte" é um filme que conta uma estória de amor. Entre um cinquentão iletrado e "tosco" (Gerard Depardieu) e uma mulher idosa, delicada e erudita. Pela diferença de idade entre os protagonistas e pela relação incomum, o filme me fez lembrar "Ensina-me a viver" (1971). No entanto, as semelhanças param por aí.

Gerard Depardieu é um bom ator e, assim sendo, faz você se esquecer  dos personagens anteriores que ele interpretou, bem como de sua "persona" fora das telas. O ator é conhecido pelos seus escândalos e bizarrices off-screen, mas isso não o impede de ser um grande intérprete. Com seu físico de Obelix, ele conseguiu compor um Germain doce e encantador em "Minhas tardes com Margueritte". Germain tem uma namorada jovem, bonita e carinhosa, mas é com a velhinha Margueritte (Gisèle Casadesus) que ele vivencia, de fato, um Encontro. Margueritte torna-se a interlocutora que ele jamais teve. Através de suas tardes com ela, ele pôde descobrir a leitura, além de ouvir a si mesmo de uma maneira que nunca ocorrera.

 Na verdade, costumo gostar muito de enredos que contam estórias de amor construídas pouco a pouco. Novelas e filmes que fazem uso deste expediente costumam ser mais interessantes do que obras que apelam para o tal "amor à primeira vista". Na verdade, costumo gostar de estórias de amor construídas, não necessariamente românticas. Há inúmeras formas de amor e de amar. Estórias de amor entre irmãos. Entre empregado e patrão. Entre amigos. Entre netos e avós. Entre desconhecidos. Da mesma idade. De idades diferentes. Que duram uma vida. Que duram um dia.

Houve uma época em que estava muito em moda livros que falavam de "Almas Gêmeas" e terapia de vidas passadas. Aliás, este é um tema que atrai muita gente, em qualquer tempo. Não acredito na tal "metade da laranja, carne e unha, bate coração", como diria o Fábio Júnior. No entanto, algo que li em um desses livros fez algum sentido. Há pessoas que você encontra que promovem um certo "momento de virada" na sua vida. São encontros especiais, que mudam algo. Depois do tal encontro, algo foi aprendido, algo foi ensinado, uma transformação ocorre. No meu entendimento, não se trata de destino ou qualquer coisa do tipo, são os tais encontros felizes que, se você tiver sorte (e abertura para isso), podem acontecer mais de uma vez.

Germain e Margueritte vivem um desses encontros especiais, e é comovente de se ver. Uma parte da França em  nada glamourosa, protagonistas que poderiam ser seu tio ou sua avó, e uma riqueza de roteiro. "Minhas tardes com Margueritte" é, sem dúvida,  uma estória que vale a pena escutar.