quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

REINVENÇÃO

A vida só é possível
reinventada.

Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas. . .

Ah! tudo bolhas
que vêm de fundas piscinas
de ilusionismo... – mais nada.

Mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

Vem a lua, vem, retira
as algemas dos meus braços.

Projeto-me por espaços
cheios da tua Figura.

Tudo mentira! Mentira
da lua, na noite escura.

Não te encontro, não te alcança...
Só - no tempo equilibrada,

desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.

Só - na trevas
fico: recebida e dada.

Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

(Cecília Meireles in Flor de poema)

Que todos possamos nos reinventar em 2010. Feliz ano novo!

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Comédia (nada) romântica


Comédia romântica já não faz minha cabeça mais desde, sei lá, 1998. Acho que foi o ano de "Mensagem pra você", antes das milhões de plásticas da Meg Ryan. Depois, perdi a paciência.É tudo sempre igual. Eu até tolero os clichês, mas depois de certa idade algumas coisas começam a ficar intoleráveis. Cara conhece garota. Eles brigam o filme inteiro para depois descobrirem que se amam. Às vezes, eles se gostam, mas há um mal entendido durante o filme que os separam. O final sempre se dá com correria. Ou um deles está para casar, ou vai viajar e o outro chega correndo para impedir. E ficam juntos.

Daí que eu resolvi assistir um desses novamente. Tarde chuvosa, 2012 (éca) em todos os cinemas, restou esse: 500 dias com ela. Já tinha ouvido falar (bem), mas amei. Cara conhece garota. Eles brigam e vivem bons momentos durante o filme e se separam. No entanto, o final é bem mais realista. BEM mais realista. Sem correrias e encontros em aeroportos ou no trânsito.

O enredo é contado de forma bem interessante, com idas e vindas no tempo, com recursos bastante inusitados para retratar o humor oscilante do personagem central. Além disso, dos figurinos aos cortes de cabelo, o filme tem todo um ar "retrozinho" que eu adoro. E tem os maravilhos Smiths com duas músicas na excelente trilha sonora. "Please, please, please, let me get what I want" é simplesmente a melhor música do meu mundo.
Agora, vamos combinar: mocinhas com caras de boazinhas são as piores né não? Aquele velho papinho depois de usar de todas as formas possíveis de sedução: "mas eu nunca te prometi nada, prometi?" Sobre este perfil feminino (as "boazinhas" sedutoras), ainda vou comentar o ótimo "Amantes", um dos últimos filmes do Joaquim Phoenix. Mas isso já é papo pra outro post.

domingo, 6 de dezembro de 2009

As mulheres de Manoel Carlos

Dona Helena, eu vou bater um bolinho pra senhora! Onde já se viu ficar sem comer?
É de praxe associar o autor Manoel Carlos ao Rio de Janeiro, ao Leblon e ao balanço agradável de clássicos da bossa nova. Além disso, outra característica que atribuem a ele seria "a facilidade em decifrar a alma feminina", praticamente um Chico Buarque da teledramaturgia brasileira. Ora, mas o que seria, afinal, a tal "alma feminina"? De que mulher fala Manoel Carlos?

Em sua maioria, as mulheres de Manoel Carlos são ricas. Algumas muito ricas. A maioria não trabalha ( o que fazem, por exemplo, Tereza e suas filhas? Betina ou mesmo a drunkoréxia Renata?). Elas podem ser professoras ou médicas, mas tanto as escolas como os hospitais em que trabalham parecem um shopping center.

Aliás, para não cometer injustiças, algumas mulheres de suas novelas trabalham muito. Além da conta, quase escravas. São as empregadas domésticas, sempre uniformizadas a qualquer hora do dia e da noite. Elas se dividem em duas categorias: as cordatas, quase santas, "ouvido penico" da patroa, ou as curvilíneas perigosas, objeto de cobiça do patrão.

Ah, as mulheres de Manoel Carlos são barraqueiras. Adoram uma baixaria. Algumas rolam no chão aos tapas com outra mulher. Geralmente por conta de outro homem.

E elas comem? Nem pensar. As mulheres de Manoel Carlos têm horror à calorias. E não estamos falando das personagens que tem transtornos alimentares, mas de todas. Só comem saladinhas, estão sempre de dieta.
As mulheres de Manoel Carlos são fúteis. Só falam de roupas, dietas, homens e, principalmente, mal de outras mulheres. Os homens aparecem em seus discursos como objeto de disputa de poder entre elas, não como objeto de amor. Aliás, o que seria amor nas novelas de Manoel Carlos? Você sabe?

Sei lá, não consigo me identificar com essas mulheres. Novela é ficção e entretenimento, mas "Viver a vida" só tem conseguido me deixar irritada. As mulheres de Manoel Carlos são mulheres lidas a partir da cabeça de um homem machista. Estou errada?