sábado, 28 de julho de 2012

V, de Vingança


"Quando atacar alguém por vingança, prepare duas covas" (Confúcio)

Na ficção, a garota Rita era maltratada pela madrasta Carmem Lúcia sem que o pai se apercebesse disto. Carmem Lúcia, além disso, enganava o pai de Rita, traindo-o com um amante mau caráter. Quando Genésio, o pai, vende a casa própria que era tudo que a família tinha, Carmem alia-se ao amante para dar um golpe no marido, roubando-lhe todo o dinheiro. A pequena Rita descobre e consegue avisar o pai, que se desvincilha do golpe. No entanto, a caminho da delegacia, Genésio é atropelado por um famoso jogador de futebol e morre. Encarnando uma pobre viúva, Carmem Lúcia, além de ficar com todo o dinheiro do marido, abandona a menina, aos gritos, em um lixão. Posteriormente, ainda dá um golpe no jogador de futebol que, por pena, casa-se com ela. A vingança de Rita, a garota orfã, é o enredo desta trama, da novela "Avenida Brasil", atualmente no ar, pela Globo.

Mel Maia, como "a pequena órfã"

A história de uma garota orfã nas mãos de uma madrasta má e, muitas vezes, invejosa, não é nova.  Os clássicos contos de fada "Cinderela" e "Branca de Neve" estão aí para comprovar. A trama da vingança também não. De " O Conde de Monte Cristo" de  Alexandre Dumas (que inspirou a novela "Sangue do meu sangue", de Vicente Sesso) ao romance "Tieta", de Jorge Amado,  muitos são os dramas com heróis vingativos. A trilogia "Millenium", sucesso estrondoso na literatura sueca e no cinema nos últimos anos, traz uma heroína moderna e vingadora: a andrógina e fascinante Lisbeth Salander.

A saga de Rita/Nina faz também lembrar outra protagonista que quis vingar sua família na teledramaturgia. Malu Mader encarnou Cláudia, a "Fera Radical" (1988) que arquitetou planos de vingança contra a família Flores.


a sexy fera radical Malu Mader

Os planos de Claudia ficam perturbados quando ela se apaixona por Fernando Flores (José Mayer), pertencente à família que ela pretendia vingar. Isso é também comum nas tramas: o grande amor se sobrepõe ao ódio. Foi assim com Ana Francisca (Mariana Ximenes), a moça doce e humilhada que volta para se vingar rica e poderosa de seus algozes em "Chocolate com Pimenta" (2003). No entanto, havia o amor de Danilo (Murilo Benício) no meio do caminho.

Quando nem um grande amor detém a vingadora, então ela não é uma mocinha, é vilã. Em "Celebridade" (2003), a vilã Laura quer tirar tudo de Maria Clara Diniz por vingança. Laura acredita que um sucesso musical composto para Maria Clara teria sido, na verdade, feito para sua mãe. Assim sendo, Maria Clara teria ficado com os louros de uma glória que não era sua e, consequentemente, com os dividendos da canção. A vilã vingadora, claro, é punida no final.

Rita/Nina, a protagonista de Avenida Brasil, não é Cláudia, nem Ana Francisca, nem Laura. Ela se assemelha mais à sueca Lisbeth, seja pelo visual andrógino, seja pela inteligência, seja pela moto. Mais ainda: se assemelha pela neurose. Amor nenhum pára Rita ou Lisbeth. Seus objetivos são outros. Elas não são más, são neuróticas.

A pobre Lisbeth não tem nada a perder. Nina tem. Se, no início, ela perdeu o pai e foi parar no lixão, depois ganhou muitas coisas. Fez amigos no lixão (Jorginho, seu namorado, entre eles) e foi adotada, mais tarde, por uma família rica da Argentina. Ganhou um pai amoroso, irmãs afetuosas e uma educação que talvez seu pai biológico não pudesse dar. O limão, portanto, virou uma limonada. No entanto, ela não consegue desfrutar de nada disso pois só pensa em Carmem Lúcia.

O interessante de Avenida Brasil é mostrar a morte, aos poucos, de Rita/Nina. Ela quer tirar tudo de Carminha, mas ao mesmo tempo, tira tudo de si mesma.  Este é o ineditismo da novela, uma vez que todos os outros temas já foram visitados. O enredo faz valer a frase de Confúcio que inicia este post. O vingador leva o outro para a cova, mas leva a si mesmo também.

Eu, tantas vezes cri-cri com frases consoladoras populares, cito uma delas para encerrar este texto. Nina, minha filha, larga a Carminha pois a melhor vingança, afinal, é ser feliz.


quinta-feira, 26 de julho de 2012

Queixa

Um amor assim delicado
Você pega e despreza
Não devia ter despertado
ajoelha e não reza
Dessa coisa que mete medo
Pela sua grandeza
Não sou o único culpado
Disso eu tenho a certeza

Princesa, surpresa, você me arrasou
Serpente, nem sente, que me envenenou
Senhora, e agora, me diga onde eu vou
Senhora, serpente, princesa
Um amor assim violento
Quando torna-se mágoa
É o avesso de um sentimento
Oceano sem água

Ondas, desejo de vingança
Dessa desnatureza
Bateu forte sem esperança
Contra a tua dureza

Um amor assim delicado
Nenhum homem daria
Talvez tenha sido pecado
Apostar na alegria

Você pensa que eu tenho tudo
E vazio me deixa
Mas Deus não quer que eu fique mudo
E eu te grito esta queixa!

(Caetano Veloso)


domingo, 22 de julho de 2012

Something

"Something in the way she moves
Attracts me like no other lover"

O beatle poeta George Harrison compôs esses inpirados versos da canção "Something" supostamente para Pattie Boyd, que foi sua mulher de 1966 a 74 (quando passou a ser musa de outro ícone, Eric Clapton).  De alguma maneira, a canção fala daquela "coisa" que o objeto amado tem e que não sabemos descrever, expressar em palavras. É simplesmente "aquele algo mais".

"E ela é bonita?" - pergunta a moça aflita, ao saber que o ex está com outra. Pergunta clássica, embora não faça muito sentido. A dor, afinal, ameniza se a atual for mais ou menos bonita? É comum também a frase de desdém: "E nem bonita ela é, nem bonita." E daí?

Às vezes é algo na forma como "ela" (ou ele) se movimenta, diria Harrison. E tem pessoas que se movem lindamente, sem necessariamente terem uma beleza estonteante. Lembrei da música dos Beatles ao assistir o filme "Minha semana com Marilyn" (2011), em que a normalzinha Michelle Williams interpreta ninguém mais, ninguém menos que  Marilyn Monroe.

Marilyn/Norma Jean era muito bonita. Tinha uma pele de bebê e olhos muito azuis. Isso, sem contar o corpo cheio de curvas. Não tinha a beleza simétrica e natural de Elizabeth Taylor, Grace Kelly ou mesmo Brigite Bardot, mas era linda. No entanto, nenhuma atriz do cinema clássico se movia com tamanha graça e sensualidade como Marilyn. Audrey Hepburn tinha graça, mas não tinha o sex appeal. Para entender do que falo, o trecho a seguir dispensa palavras. Trata-se de várias cenas de bastidores de "Something got to give", o filme inacabado de Marilyn, que seria o último de sua vida.



É difícil interpretar um ícone porque será sempre uma imitação e o original é imbatível. O filme de Michelle Williams poderia ser mais outro dos inúmeros sobre Marilyn, mas não é. A atriz foi, merecidamente, indicada ao Oscar de melhor atriz (2012) pelo papel. Estudou minuciosamente a forma como Marilyn se movia (em cena e fora dela). Foi um trabalho arriscado, pois poderia se tornar facilmente uma caricatura, o que não acontece. O filme em si é leve, mas vale pela composição de Michelle.

Assim como Marilyn, mas sem tanta notoriedade, há pessoas que se movem maravilhosamente por aí e cujas fotos não fazem justiça. Toca perguntar agora não se "a outra é bonita" mas, afinal, "como ela se move?". Muito sábio, este George Harrison.