segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Uma noite em 67...


Ainda que você não seja saudosista como eu, vá assistir "Uma noite em 67". Uma preciosidade e tem que assistir no cinema mesmo. Eu me senti nos auditórios da Record, tive vontade de bater palmas, gritar e cantar junto, torcer e vaiar. Tá, sou louca, mas que vale a pena, vale. Na televisão, não adianta, não tem o mesmo efeito.
Logo no início do documentário, você vê Edu Lobo cantando o seu "Ponteio" e a platéia enlouquecida, gritando o nome de Edu. A platéia, esta que era um personagem a parte, capaz de descompensar Sérgio Ricardo e seu violão. Pobre Sérgio Ricardo, que ficou marcado pela vaia por toda uma vida.
É muito engraçado ver os pra lá de grisalhos Roberto, Caetano, Gil e Chico como moleques. Eram uns meninos, fazendo piadas nos bastidores, brincando com o nervosismo. Todo mundo já foi menino e iniciante um dia, até mesmo Roberto, Caetano, Gil e Chico. E Roberto, ah o Roberto, o que o tempo fez dele?
Triste é constatar que um dos nossos maiores letristas, Chico Buarque, é um homem de poucas, muito poucas palavras. Sabia que eram poucas, não sabia que eram tão poucas. Ele diz não se lembrar da letra de "Roda Viva", uma das minhas canções preferidas, das mais lindas. Ele só se lembra do refrão e olhe lá. Percebi que sinto mais falta da juventude de 67, eu, que nem era nascida, do que ele, que compôs um dos hinos daquela geração. Talvez eu sinta falta de uma passado que não existiu, de uma juventude aparentemente tão mais colorida, criativa e aguerrida do que a minha. Idealizada, sem dúvida.

O cinema estava cheio, entre jovenzinhos e pessoas bem mais velhas. Comprei o último ingresso e a sessão seguinte estaria igualmente lotada. Bom revisitar um tempo em que festivais de boas canções faziam as vezes de Big Brother.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

De outro mundo...

Há exatos 27 anos, meu pai saiu para um vôo e não voltou mais. Lembro da capa de uma revista Manchete (a revista preferida dele) que estava na sala durante aqueles dias tristes. Tinha o Michael Jackson na capa. Preto.

Penso que meu pai foi embora desta vida sem ver uma série de coisas. Não viu o crescimento da AIDS (aliás, ele nem sabia o que era a doença, provavelmente), não descobriu que Rock Hudson era gay, não acompanhou a queda do muro de Berlim pela tevê, não viu o Brasil ser tetra, penta. Não conheceu os Ronaldinhos, nem o Senna.Também não chegou a ver o movimento pelas Diretas-Já, a eleição de Tancredo, a posse do vice, o plano Cruzado, o Cruzado novo, o Collor vencendo o Lula, mas saindo mais cedo. Meu pai trouxe para nós um Atari importado quando ninguém tinha, e também um aparelho de fax. No entanto, não chegou a imaginar o que seria a internet e nunca, nunca teve um celular. No mundo das revistas Playboys do meu pai (e ele tinha muitas), não existia photoshop. Lá estavam as musas das pornochanchadas brasileiras e também estrelas de novela. Meu pai não chegou a ver o renascimento do cinema nacional. Naqueles anos, filme brasileiro era ruim.

Anos 70 e começo de 80 para mim são sinônimos de infância. Infância com meu pai. Depois disso, parece que passei para outra dimensão, entrei em outra etapa, outra história. Dia desses, minha mãe me olhou com cara de surpresa: "Filha, seu pai não chegou nem a ver o Movimento das Diretas". Ah, quantas coisas ele deixou de ver. Olhando assim, penso que ele viveu em outro mundo mesmo. Um mundo que acabou.

* texto originalmente publicado no meu antigo blog.