domingo, 26 de agosto de 2012

Shame

Eu havia lido vários comentários sobre o filme "Shame" antes de assisti-lo. Muitas resenhas diziam que se tratava de um roteiro sobre um jovem bonito e bem sucedido, Brandon, que era "dependente sexual". Contardo Calligaris, psicanalista e articulista da Folha de São Paulo teceu elogios ao filme à época do lançamento, mas o classificou como "moralista": "Shame é, ao mesmo tempo, ousado e careta. Ousado pelo retrato da busca sexual do protagonista (muitos, sem dúvida, se reconhecerão), e careta, porque essa procura parece sempre doentia, culpada e vergonhosa", escreveu ele. Mais bem humorada, a jornalista Tetê Ribeiro sugeriu que o filme  já valia o ingresso pelos primeiros dez minutos, sendo uma verdadeira homenagem às mulheres (Michael Fassbender, o ator principal, tem uma demorada cena de nu frontal já nos primeiros momentos do longa). No twitter, o escritor Marcelo Rubens Paiva fez um alerta aos futuros espectadores do filme: "Vá preparado: Shame dá tesão". Coroando tudo o que tinha lido, eu me deparei com a seguinte capa de revista:
 
 
 
No embalo do filme, Michael Fassbender, o belo, ilustrava a capa de revista GQ como alguém com quem se deve aprender "a ter sex appeal". Logo abaixo da chamada principal, está outra: "Como pegar mulheres (da forma correta)". Além de constatar que as revistas masculinas estão ficando tão idiotas como as femininas, eu fui fortemente sugestionada de que o tal Fassbender era "o cara".
 
Assisti, enfim, o filme. Sozinha. Uma senhora entrou berrando no cinema com o filme já iniciado "Já começou ou é trailer??"  bem na hora do famoso nu. Filme em curso, emocionei-me com  cenas longuíssimas e muito bonitas que conferem mais veracidade à narrativa (a cena em que a irmã de Brandon canta no bar, a cena do primeiro encontro entre Brandon e sua colega de trabalho, entre outras). Propositalmente, as cenas de sexo repetem-se tantas vezes que vão ficando cansativas. Não há um crescendo de excitação, não se trata de um pornô soft, o filme é sobre a angústia do protagonista que busca, incessantemente uma satisfação que não vem. A senhora inconveniente do início do filme, então, manifesta-se novamente, quando Brandon começa a transar pela enésima vez, com uma dupla de prostitutas: "Ai, de novo? Já tá enchendo já". Chatíssima, essa senhora, mas de fato, acho que era essa a idéia que o diretor queria passar. Tanto sexo podia cansar. O apartamento claro e limpo do belo Brandon em Nova York, sempre com o computador logado em algum página de sacanagem parecia um inferno claustrofóbico.
 
 
 
Resumo da ópera: o filme resvala em sintomas da nossa cultura. O próprio Fassbender, em entrevista, após interpretar seguidamente o psiquiatra Carl Jung (Um método perigoso), que vivera no século XIX e início do século XX, e o executivo dos dias atuais Brandon, comentou que a facilidade de obter sexo não mudou o grau de sofrimento das pessoas. Sofriam as histéricas de Freud, sofrem os Brandons da vida. Engana-se quem pensa que as infinitas ofertas de gozo implica que o sujeito de fato goze com elas e usufrua de sua satisfação. Escreveu o psicanalista Laerte de Paula: (...) "as múltiplas ofertas de gozo apenas reafirmam que não gozamos o suficiente da vida. Quanto maior é a oferta de prazeres (muito além dos ‘sexuais’), mais excluídos ficamos da pretensão onipotente de gozar para valer. Não importa o quanto nos esforcemos, há sempre uma infinidade de outras possibilidades que estão além de nosso alcance (por questões financeiras, geográficas, morais, etc.) e que permanecerão inexploradas. A conclusão óbvia seria: ora, que um sujeito se contente com seu quinhão de prazeres e renuncie ao empreendimento de um gozo transcendental. Este seria o raciocínio lógico, naturalmente parcial e insuficiente para compreender nossos conflitos (...). Brandon encena seu jogo em um palco de sexo. Outros o fazem em um palco de drogas, ou de bebidas, ou de jogos, ou de religião, ou de trabalho, ou de qualquer objeto que sirva a este grau de alienação."
 
Entendo quando Calligaris diz que o filme é moralista. Os efeitos podem sim, ser moralistas para a platéia, especialmente chegando ao final. A mensagem é: você pode, sim, realizar suas fantasias sexuais mais escandalosas, mas vai perder as pessoas que ama, por vezes até, em definitivo. Acredito que o filme não fala de um viciado em sexo, mas de um narcisista solitário, com dificuldades em construir vínculos. Ao invés de transar sem parar, ele poderia, ficar jogando vídeo game sem parar, por exemplo. A dificuldade seria a mesma, talvez sem o componente da vergonha, que dá o título ao filme. É um filme sobre angústia, realista de doer.E, desculpe, Marcelo Rubens Paiva, assistindo "Shame" por esse prisma, não dá pra sentir tesão.
 
 

3 comentários:

Claudia disse...

Assisti ontem, Lê, e vim correndo ler o que havia de opinião sua sobre o filme. Também discordo de Marcelo Rubens Paiva e também acho que a compulsão sexual era o de menos na personalidade fria e nercísica do cara. Mas... devo confessar que sorri aqui sozinha ao ler:Michael Fassbender, o ator principal, tem uma demorada cena de nu frontal já nos primeiros momentos do longa. " Puxa, achei a cena longa em vários aspectos. Tá de parabéns o Sr. Fassbender :)

Letícia disse...

Clau, Fassbender é um espetáculo! Mas sabe que eu não achei o Brandon frio? Achei o personagem sofrido, denso, melancólico. Grande filme. Bjinho!

Deise disse...

Adorei o filme,e mais ainda seu comentário.Fassbender passa todo drama do personagem com maestria,só pelo olhar a gente percebe todo sofrimento,é angustiante.Os dez primeiros minutos são realmente "longos",e um dos mais belos que já assisti,o cara tá podendo!