terça-feira, 21 de agosto de 2012

O tempo

"(...)  Por seres tão inventivo
         E pareceres contínuo
        Tempo tempo tempo tempo
       És um dos deuses mais lindos
      Tempo tempo tempo tempo..."

(Oração ao Tempo - Caetano Veloso)

 
"Você já parou para pensar que vinte anos pode não ser muito tempo?"- perguntou-me um amigo quando eu, assustada, constatava que nossas lembranças de vida já contam duas ou mais décadas. Na verdade, não sei bem a resposta. Até cinco anos podem parecer uma eternidade, dependendo do que se lembra e como se lembra.

Quando temos quinze anos, uma pessoa de trinta é um idoso. Quando se tem sete, o Natal demora uma vida toda para chegar. Quando se tem vinte, duas décadas é a sua vida toda e, portanto, muito tempo. E quando se tem mais de trinta? E quando se tem sessenta, setenta?

O que eu sempre achei curioso é que em muitas telenovelas e filmes  nos quais ocorre a passagem do tempo, dois atores (ou atrizes) interpretam o mesmo papel em fases diferentes. É assim que, por exemplo, o altíssimo Paulo Gorgulho virou o baixinho Claudio Marzo (Pantanal, 1990), Adriana Esteves virou Renata Sorrah (Senhora do Destino, 2004), e a Giulia Gam virou ... a Vera Fisher!


Giulia Gam e Vera Fisher como Jocasta em Mandala (1988)
Ou seja, durante a minha infância e adolescência, o que sempre aprendi com a ficção é que vinte, vinte e cinco anos é tanto tempo que uma pessoa se transforma em outra. E hoje, adulta, observo, surpresa, que, na vida real, sem troca dos atores, isso pode acontecer também. Cadê aquela menina alegre? Cadê aquele cara inventivo? Cadê a amizade que a gente tinha? Cadê aquele amor? Cadê, cadê? Acabou como aquele filme, aquela novela velha. Hoje é outra coisa.

 No entanto, mais surpresa  fico eu quando percebo que amigos, amores de 20 anos atrás atualizam o passado só com a sua presença.  E lá está aquela risada tão familiar, o jeito de andar, os mesmos vícios de linguagem e o prazer bom de estar junto. E de repente, em um (re)encontro, todo mundo é adolescente de novo e também são adolescentes os afetos que se presentificam. Vinte anos não passaram. Foi tudo ontem. É agora.

Freud (sempre ele) dizia que o inconsciente não conhece o tempo. Para ele, o tal  inconsciente, não existiria passado, presente ou futuro. Os sonhos mostram isso para nós quando, por exemplo, sonhamos que a casa  em que moramos quando criança ressurge, como se fosse a casa em que moramos agora. É a casa velha, mas também é a casa nova.

E agora, concluindo o texto e voltando à pergunta do meu amigo querido, eu penso que vinte anos podem, de fato, representar séculos, mas  também podem  não ser nada. Se são dores antigas, que permaneçam como fitas VHS  que não quero rebobinar. Se são afetos bons, que eu possa ter 15, 20 anos de novo. Sem plástica, nem botox.

3 comentários:

Anônimo disse...

Este seu texto "foi da hora" . Recentemente houve um reencontro da minha turma do colegial, e lá se foram 20 anos que parecem que não foi um vida inteira, parecia que tinha sido ontem que não via o pessoal. E eu encontrei a minha paixão daquela época, eu me perguntava tb, cade? Cade? Pq a gente pensa que se estive com ele teria sido melhor? Muito bom o texto e desculpe se eu achar que ele foi escrito para mim. Bjos.

Letícia disse...

Por que pedir desculpas, anônimo (ou anônima)? Fico feliz, isso sim. Pode achar q foi escrito pra vc. Um beijo, volte.

Luciana disse...

Não coloquei meu nome, me chamo Luciana, e não se preocupe, posso não fazer comentários, mas sempre volto. Beijos.