quinta-feira, 12 de abril de 2012

Freud, Jung e o tal método perigoso

Desconfiada, embora com esperanças de um bom filme, fui assistir a "Um método perigoso"(2011), de David Cronemberg, diretor famoso por longas polêmicos. Entre seus filmes estão os perturbadores "A mosca"(1986)  e "Crash-estranhos prazeres"(1996), apenas para citar alguns. O enredo de "Um método perigoso" trata dos primórdios da Psicanálise, da ruptura dolorosa entre Freud e Jung, e do envolvimento de Jung com uma de suas pacientes, Sabina Spielrein.

A pré-história da Psicanálise já havia sido contada no cinema por John Houston, através do problemático "Freud, além da alma"(1962). Houve dificuldades com o roteiro (escrito por Jean Paul Sartre) e com o ator principal, Montgomery Clift. Excelente intérprete, Clift estava extremamente debilitado (física e emocionalmente) e teria dado problemas durante as gravações. É perceptível a fragilidade e a melancolia do ator para quem assiste o filme. Isso, sem dúvida, prejudicou sua interpretação de Sigmund Freud e ajudou a tornar o filme ainda mais sombrio.

Montgomery Clift e Suzanah York

A história entre Jung e Sabina Spielrein já fora contada em outro longa: “Jornada da Alma” (2003), com uma abordagem mais “romântica”, digamos, da relação do psicanalista com sua paciente. A protagonista de “Jornada da alma” é Sabina e sua trajetória brilhante (embora pouco conhecida) como psicanalista da qual, é claro, fazem parte Jung e Freud.

Em "Um método perigoso", o protagonista é Carl Gustav Jung em sua juventude. É a história dele que é contada em primeiro plano. Jung é interpretado por um dos "atores do momento", o belo Michael Fassbender. Defendendo Freud, está o ótimo Viggo Mortensen, e Keira Knightley interpreta a Sabina Spielrein.



Michael Fassbender (Jung) e Viggo Mortensen (Freud)

Eu cheguei a ouvir certas piadas a respeito de escalarem galãs para interpretarem pensadores sisudos (e barbados) de outros tempos. No entanto, o suíço Jung era um "tipão charmoso", de fato. "Jung era um homem de uma poderosa inteligência (...) dotado de grande força física, apreciava os contatos humanos, os exercícios corporais e o convívio das mulheres(...)", escreveu a psicanalista Elizabeth Roudinesco em seu dicionário de Psicanálise.

O jovem Jung, quando ainda era "o príncipe herdeiro" de Freud
Para quem não é da área Psi, o filme pode parecer enfadonho, especialmente quando mostra os diálogos sobre teoria psicanalítica entre Freud e Jung, assim como entre os dois e Sabina. Os diálogos foram baseados em uma troca intensa de correspondência e muito fiel ao que, de fato, a História conta. Houve risos no cinema em alguns momentos, pois o início da psicanálise teve seus momentos assustadores e patéticos, especialmente no que tange ao manejo da transferência. Jung não conseguiu distinguir claramente amor e transferência, e o tratamento resultou em uma paixão incontrolável entre o terapeuta e sua paciente. Escreveu ele a Freud em 1909, sobre Sabina: "Ela fez um terrível escândalo, só porque me recusei o prazer de conceber um filho com ela. Sempre me mantive, com ela, nos limites de um gentleman, mas apesar de tudo não me sinto muito inocente aos olhos de minha consciência, um pouco sensível demais, e é isso que mais me perturba, pois minhas intenções sempre foram muito puras. Mas você bem sabe que o diabo usa as melhores coisas para produzir lama".

Por conta do amor por Jung (e apesar dele), Sabina curou-se de seus sintomas e tornou-se médica e psicanalista. Inventou a noção de pulsão destrutiva e sádica, que originou a pulsão de morte. Amorosamente ligada a Jung, depois ela se afinou, teoricamente, mais a Freud. Ambos sofreram com a ruptura com Jung (Freud o via como filho e sucessor, Sabina queria um filho dele).

Escreveu Freud a  judia Sabina, após a ruptura: "Da minha parte, como você sabe, estou curado de qualquer predileção pelos arianos e quero crer que, se o seu filho for homem, ele se tornará um inabalável sionista. Ele tem que ser moreno, ou então tornar-se moreno. Chega de cabeças louras (...) Somos e continuamos a ser judeus."

O filme termina antes da Primeira Guerra mundial e, portanto, antes de grandes conceitos da psicanálise serem desenvolvidos, tanto por Jung, como por Freud. Jung deu o nome de Psicologia analítica à teoria que passou a embasar sua prática em psicoterapia. Sabina casou-se com outro homem, teve filhos e foi uma das precursoras do trabalho em psicanálise com crianças.

Saí do cinema com a sensação de que muito do que fora contado no filme, especialmente no que dizia respeito à vida pessoal daqueles figurões, era uma licença poética de Cronemberg. Qual não foi minha surpresa quando, ao estudar, percebi que a ficção, de fato, perde para a vida real. Ainda respeito muito mais Freud como teórico, mas a figura pessoal de Jung é infinitamente mais fascinante.

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