sábado, 19 de abril de 2014

Sobre likes, bloqueios e afins

Fala-se tanto, sempre, sobre tantas coisas, muitas vezes sem dizer uma palavra. Na prática clínica, nós, psicólogos, observamos isso o tempo todo. O cliente fala quando, mesmo após ter ido embora há horas, deixa seu perfume doce e forte permanecer na sala. Também fala algo quando demora a pagar pela sessão ou então faz questão de pagar adiantado. Fala quando há um cuidado excessivo para não sujar o divã com os sapatos ou, ao contrário, quando  faz questão de sujar os móveis com os pés sujos de barro. Também fala-se muito com o silêncio, pura e simplesmente. Ou silencia-se com palavras. E isso tudo, é claro, não é observável apenas entre as quatro paredes de um consultório.
 
Em "A psicopatologia da vida cotidiana", uma obra prima de 1901, Sigmund Freud escreveu sobre os chistes, os lapsos e os atos falhos no dia a dia. Esquecer nomes próprios, trocar destinatários de cartas, nomes de cidades, o que isto quer dizer? O que se fala quando se esquece algo? Será que este algo é esquecido porque tinha pouca importância ou, ao contrário, porque era importante demais? Distração, falta de memória? Ou algo além?

Em tempos de relações virtuais ou por aplicativos de celular, fala-se através do bloqueio, da ocultação de horários, da exclusão de amizades, dos likes ou ausência de likes. Likes e exclusões "acidentais", inclusive. "Nunca bloqueie alguém no facebook, Letícia, é a pior sensação que existe" - aconselhou-me uma amiga, recém-bloqueada. "Me senti um lixo" - continuou ela. Também já fui e não me senti assim, pensei. Quem odeia, bloqueia ou quem ama, bloqueia? Eis a questão. Tudo isso configuram mistérios (ou nem tanto assim) sobre aquilo que não é "verbalizado" no mundo virtual. E, é claro, sobre as relações que acontecem fora dele.
 
O fato é que, seja no início do século XX ou agora, em pleno século XXI, nem tudo é tão óbvio quanto parece ser. Muitas vezes um relacionamento (familiar, amoroso, de amizade) precisa ser exaustivamente  falado, enfrentar intermináveis DRs para que algo, enfim, seja comunicado e resolvido. Em outras, a comunicação se dá por um clique, por um like, por um bloqueio, por um corte. Nenhuma palavra é necessária para sentir-se amado (a) ou para saber que não há nada mais ali. A psicanálise do tio Freud, veja só, ainda é atualíssima. Mesmo com facebook, whatsapp e derivados, ainda o que causa mais sofrimento na vida das pessoas são as falhas de comunicação e os desencontros acarretados por elas, como lá, no século passado. Qual seria, afinal, o  remédio que daria conta disso?
 
 

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