terça-feira, 9 de julho de 2013

Apostas

"A confiança é um ato de fé, e esta dispensa raciocínio" (Carlos Drummond de Andrade)


Foi em Novembro do ano passado. Estava a caminho do trabalho como de hábito, quando meu carro parou. Falta de gasolina, constatei, um motivo besta e vergonhoso. Era uma rodovia e faltavam alguns quilômetros para que eu chegasse ao posto de combustível mais próximo. Sol a pino, salto sete. Quem mandou ser distraída? Ninguém parava para ajudar. Eis que um rapaz de bicicleta me aborda. Rapaz, na verdade que deveria ter uns trinta anos, com corpo e cara de cinquenta. Imediatamente me encolhi, como é meu costume. Percebi que havia lido a oferta de ajuda como um perigo e não como uma salvação para a situação ridícula em que me encontrava. "Ajuda, moça?" - ele insistiu. Eu ensaiei um sim. Ele disse que poderia buscar gasolina no posto mais próximo se eu quisesse. Precisava somente de um dinheiro para a gasolina, nada além. Peguei vinte reais na carteira enquanto vivia um pequeno dilema. O conflito valia vinte reais, mas talvez bem mais que isso. Aquele desconhecido iria pedalando debaixo de um calor senegalês para buscar gasolina, ou iria embora com o dinheiro? Fiz, internamente, a aposta. Sim, ele iria me ajudar. Aí, enfim, dei os vinte reais e resolvi aguardar. Critérios subjetivos me guiavam. Os olhos dele. Eram olhos bons, pensei. Mas quem vê olhos, vê coração?

Recentemente, quando a novela "Caminho das Índias" estava no ar, Glória Perez quis abordar o tema "psicopatia" através do personagem Irene, de Letícia Sabatella. Ao mesmo tempo, pipocavam reportagens na internet e em revistas dizendo "que o psicopata pode estar ao seu lado" e "como identificar se (seu namorado, colega de trabalho, etc) é um psicopata". Foi uma verdadeira "epidemia de psicopatas". Como se a paranóia já não existisse em algum grau. Maus e invejosos são sempre os outros, basta observar em muitas das frases postadas no facebook.

Uma amiga querida costuma dizer que a maioria das pessoas é digna de confiança até que se prove o contrário. Sair por aí esbravejando que o mundo é cruel e que as pessoas, em sua maioria, são más é algo um tanto quanto surreal para ela. Desilusões amorosas e intriguinhas de amigos fazem parte da vida. Equívocos entre pessoas que se gostam, falhas de comunicação, fofocas? Acontecem. Assim como quando muitas pessoas mentem quando estão seduzindo e tentando conquistar alguém. Mentiras no ritual de conquista fazem parte da mise en scène e não necessariamente tornam alguém um monstro. Mesmo porque mentiras sinceras às vezes interessam. FATO.

Mas e aí, onde está a maldade? É claro que há pessoas ruins que gozam com o sofrimento alheio. Há inveja daquela pérfida (que não a "invejinha" do cabelo da amiga), há traição de confiança em sua forma mais hedionda, há pessoas que QUEIMAM outras, literalmente. E aí, se você não sabe muito bem quem é o outro, você aposta em quê? Que ele vai te queimar?

Penso que se não apostamos que algo será bom (ou que alguém tem boas intenções), não fazemos nada, não há movimento, mas paralisia. Não saímos de casa em uma cidade grande, não iniciamos um relacionamento, não mudamos de emprego, não estudamos para o vestibular. Há apostas de alto risco, assim como apostas de baixo risco. Podemos apostar tudo, podemos apostar um pouquinho. Há pessoas que apostam a vida. Há pessoas que não conseguem mais apostar. Em Novembro do ano passado, em meio a outras tantas apostas, eu apostei vinte reais. Aquele "rapaz velho" me trouxe a gasolina e eu cheguei a tempo no trabalho. Ele estava desempregado há meses, mas não quis nada em agradecimento. Se ele tinha, de fato, olhos bons ou se era o meu desejo de que ele tivesse o tal "bom coração", eu não sei.


 PS: Tá parecendo post de auto-ajuda, mas vou postar mesmo assim. Paulo Coelho feelings ;-)


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