segunda-feira, 17 de junho de 2013

Viva la Revolucion!

Eu nasci nos anos 70. Naqueles tempos, o Brasil ainda estava sob domínio de um regime ditatorial e militar. Não foram os tempos mais duros da ditadura, mas os programas de televisão (inclusive novelas e shows) somente eram exibidos depois de passarem por censura. Lembro-me bem do documento da censura federal que antecedia o início dos programas, ainda que eu não entendesse o porquê daquilo. Na escola, tudo o que eu deveria aprender (e decorar) era a ordem dos presidentes do Brasil até aquele momento. O que eu sabia era que os presidentes tinham nomes estranhos para uma criança (como Garrastazu Médici e Geisel). O último (com nome mais fácil) era o Figueiredo, cuja semana eu sempre acompanhava pela TVS (atual SBT), nos intervalos do programa Domingo no Parque. "A Semana do Presidente" era um boletim semanal narrado pelo Lombardi.

"Atenção senhores pais: terminou o horário permitido para menores de doze anos"
Os anos 80 foram especialmente difíceis. Tancredo Neves era a esperança de novos tempos, apesar de ter sido eleito em uma votação (ainda) indireta. Aí veio o governo Sarney e seus milhões de pacotes econômicos e moedas. O ítem mais importante em qualquer casa de classe média era o freezer, pois tínhamos de fazer estoque de comida, especialmente de carne. Por conta da hiperinflação, um mesmo produto poderia ter dois, três preços no mesmo dia. Assim sendo, fazíamos aquelas compras imensas no supermercado para durar no mínimo dois meses. Era a forma de economizarmos. Refrigerante, cereais, iogurte e bolacha recheada eram puro luxo. Caríssimos, só eram consumidos em dias especiais. Nem toda casa tinha linha telefônica; extensão no quarto só em casa de gente rica. Muitas vezes um filme ficava na máquina fotográfica por mais de um ano, esperando para ser revelado. E quando era, a surpresa: muitas fotos mal tiradas e as fotos-mico que hoje não existem mais.

Aí veio Fernando Collor de Mello, o jovem desconhecido de Alagoas "vendido" como o "caçador de marajás". Após anos de sofrimento, finalmente vieram as tão sonhadas eleições diretas e Collor ganha de Lula, no segundo turno, em 1989. Em meio aos escândalos de corrupção, além da crise econômica do governo Collor, a rede Globo (ironia) exibiu, em 1992, uma minissérie chamada "Anos Rebeldes" (atualmente em reprise no canal VIVA). A minissérie contava o romance entre uma jovem "alienada" Maria Lúcia (Malu Mader) e um rapaz engajado com a luta armada nos anos 60 e 70, João Alfredo (Cássio Gabus Mendes). No entanto, quem roubou a cena foi Claudia Abreu, com sua Heloísa, a patricinha que se transforma em guerrilheira. Encantada com Heloísa, fui estudar mais sobre a ditadura militar, não só no Brasil. Muitos outros adolescentes fizeram o mesmo. O movimento dos "Caras-Pintadas", um movimento predominantemente jovem e com um objetivo pontual (tirar um presidente) foi fortemente influenciado por uma minissérie global (da mesma Globo que encobrira militares e que tinha ajudado a eleger Collor, anos antes). Saímos às ruas ao som de Roda Viva, o clássico de Chico Buarque de 1967.  Não tenho nenhum registro fotográfico da época pois não tínhamos a dimensão de que era um fato histórico. Naqueles tempos, ao contrário de hoje, era preciso acontecer algo importante para tirarmos fotografias. Após a votação do impeachment de Fernando Collor, em Setembro daquele ano, todos comemoramos e acabou aí. Presenciei muita gente engajada no movimento dos Caras Pintadas, mas alguns íam às manifestações pela festa. Os hinos do "Fora Collor" eram muito engraçados. As manifestações foram pacíficas e sem confronto com policiais.
A economia estabilizou-se após 1994. No entanto, os escândalos de corrupção nos governos FHC e Lula foram se tornando cada vez piores e mais explícitos. Fui eleitora de Lula e do PT por muitos anos, mas Luiz Inácio da Silva e sua quadrilha fazem Collor, hoje, parecer um ladrão de galinhas.

Não sou mais uma criança que só sabe pedaços de uma história mal contada, nem tão pouco uma adolescente idealista. Eis que no dia 17 de Junho de 2013, mais de vinte anos depois do "Fora Collor", eu presencio o povo sair às ruas em um movimento grandioso, por todo o Brasil.  Parece-me algo muito, mas muito maior do que o "Diretas Já" e as manifestações dos "Caras-Pintadas". Hoje temos a internet a nosso favor. Acompanhei pelo twitter as discussões se o movimento deveria ou não ter pauta, bem como se deveriam ser em avenidas importantes as manifestações. Alguns diziam que pauta era coisa de reunião de condomínio, outros queriam deixar as coisas mais organizadas. O que importa é que o aconteceu. Foi bonito de ver. Seja por tarifa zero ou não, o recado foi dado. Estamos todos insatisfeitos com o que tem sido feito do Brasil até então. Não há um sistema de saúde decente, não há transporte bom, não há educação, não há segurança. Que nos impliquemos, enfim, de corpo, alma e voz. Qual é, afinal, a parte que nos cabe?

Nenhum comentário: