terça-feira, 16 de outubro de 2012

Sessão de Terapia

"Devolvo em forma de arte tudo o que o meu terapeuta fez por mim" (Selton Mello) 



Fico feliz que Selton possa fazer arte como forma de agradecimento a alguém. Nem todos podem. Mais feliz  fico ainda com a versão (enfim) brasileira da série israelense "Be tipul", que ganhou adaptações em cerca de trinta países. Digamos que não é frequente assistir a um psicoterapeuta como protagonista de uma série de televisão. É uma profissão solitária, com uma rotina repleta de silêncios e baseada, especialmente, na repetição dos conteúdos. Como competir com o cotidiano heróico dos médicos em uma unidade de emergência ou com as intrigas "espetaculosas" dos escritórios de advocacia? Sem dúvida, não é uma série para grandes audiências. E, para o telespectador da área psi, há algumas incongruências técnicas que incomodam um pouco. Ainda assim, eu diria que o saldo é positivo.

Selton Mello deixou claro, em algumas entrevistas, que optou por não definir a orientação teórica do psicoterapeuta interpretado por Zécarlos Machado. No entanto, ele usa o termo "transferência erótica", conceito desenvolvido pela psicanálise. Aliás o manejo da transferência (entre outras coisas) é o que diferencia a psicanálise de outras psicoterapias que não trabalham  com o inconsciente. Jung e Freud apanharam bastante nos primórdios da psicanálise para lidar com a tal transferência, como bem abordou o recente filme "Um método perigoso" (2011). O psicoterapeuta/psicanalista fictício Theo continua apanhando com isso na série. Sai Keira Knightley, entra Maria Fernanda Cândido. Lindas mulheres histéricas e fatais que enlouquecem seus analistas. Clichê dos clichês, mas funciona.

Os grandes casos clínicos de Freud (O homem dos ratos, O homem dos Lobos, O caso Dora, entre outros) são livros que podem ser comparados a grandes narrativas de suspense, inclusive nos títulos. Você lê e vai descobrindo aos poucos o mistério que envolve o sofrimento daquelas pessoas, acompanhando o raciocínio feito por Freud que poderia, sem dúvida, ter sido um grande romancista. A série "Sessão de terapia" tem também esse mérito. Ao longo do quase monólogo que é cada capítulo-sessão, o telespectador vai descobrindo os personagens-pacientes juntamente com o terapeuta Theo. E nada é o que parece ser.

Em relação ao local de trabalho, não há divã, o psicoterapeuta atende em casa e não tem sala de espera. Tudo isso dificulta o trabalho do pobre homem, por demais atormentado para um psicoterapeuta com vinte anos de trabalho na área. No entanto, sem dificuldades, não há série. O que seria de "Sessão de terapia" se o herói não sofresse e fosse um intelectual pedante, não é mesmo?
Para encerrar este texto, retorno à frase que sintetiza o agradecimento de Selton ao seu analista. A frase me lembrou dos tempos que ainda era uma estagiária de psicologia. A mãe de uma pequena paciente tecia uma colcha na sala de espera enquanto sua filha era atendida. Ao final de muitos meses de atendimento, ela presenteou minha colega de estágio com uma linda e colorida colcha, como forma de gratidão. Penso que, sendo uma colcha ou uma série de tevê com ampla divulgação, é alentador saber que o trabalho do psicoterapeuta/psicanalista possa ser visto e reconhecido como algo sério. É complexo, é sofrido, exige estudo, supervisão constante e análise pessoal. Não é festa, não é bate papo, não é conversa de comadres. E citando a psicanalista Diana Corso:

"Psicanálise não deixa de ser uma oficina de escrita: diários prolixos, contos arrebatados, meticulosas novelas de fôlego. Edito, apenas."

 Que Selton continue reverenciando dignamente seu psicanalista. Eu torço por isso.

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