quarta-feira, 27 de março de 2013

Pequenas (grandes) coisas que irritam

Este post nasceu de uma irritação. Será publicado tardiamente, uma vez que o primeiro esboço veio no dia 08 de Março. Na verdade, o tal dia internacional da mulher me irrita há anos. Não exatamente o dia, mas o que ele se tornou. Ironicamente, o que era para ser uma data para lembrar e comemorar as conquistas femininas (e feministas) dos últimos anos, virou um dia de afirmação machista. E as redes sociais (facebook, twitter) desvelam esse machismo de forma escancarada através das piadas e (pasmem) das ditas homenagens postadas.

O dia Internacional da Mulher surgiu em virtude de um acontecimento em 1857. Operárias de uma fábrica de tecidos de Nova Iorque fizeram uma grande greve.Ocuparam a fábrica e começaram a reivindicar melhores condições de trabalho, tais como redução na carga diária de trabalho para dez horas (as fábricas exigiam 16 horas de trabalho diário), equiparação de salários com os homens (as mulheres chegavam a receber até um terço do salário de um homem, para executar o mesmo tipo de trabalho) e tratamento digno dentro do ambiente de trabalho.A manifestação foi reprimida de forma violenta; as mulheres foram trancadas dentro da fábrica, que foi incendiada. Cerca de 130 tecelãs morreram carbonizadas. Somente em 1975, através de um decreto, a data foi oficializada pela ONU (Organização das Nações Unidas) como o dia Internacional da Mulher. Em muitos países a data é comemorada com debates e conferências para discutir o papel na sociedade atual, o que foi conquistado e o que ainda tem muito chão para melhorar.

E daí o que mais se vê no Brasil são flores. Nada contra receber rosas, kit-manicure, bombom com um bilhete ("hoje você pode") e o escambau. O duro é perceber que séculos depois daquelas trabalhadoras morrerem de forma horrenda porque reivindicavam condições melhores de trabalho, as principais  associações que se tem com  o dia da mulher é a cor rosa, as dificuldades com uma unha quebrada, a TPM e a chapinha. Reduzir a mulher a isso é ultrajante. Onde estão os debates sobre as causas femininas? Tudo o que eu vejo, especialmente em cidades do interior, são desfiles de moda com sorteios de brindes e bingo. Poucos debates.


Isso lá é homenagem, minha gente??
Outra coisa que me incomoda é o enaltecimento. Nem sempre é por mal, mas às vezes cheira a formação reativa.  Dizer que "você, mulher, mãe, bela, que se sacrifica, que tem tripla jornada, blá, blá, blá, whiskas sachê, o que seríamos de nós sem vocês, yadda, yadda" é por demais irritante. Nem toda mulher é mãe, nem tem tripla jornada, nem se sacrifica. E às vezes são pessoas muito bacanas. E outras que fazem tudo isso, mas nem por isso se assemelham a Nossa Senhora de Fátima. Assim como tem mulheres que nunca geraram uma criança, mas exercem a maternagem como ninguém. E outras ainda que tem uma pá de filhos e não podem ser chamadas de mães. Simplesmente porque não são.

E os parabéns? Talvez eu mereça receber congratulações pela mulher que venho me tornando, mas não por ter nascido biologicamente mulher. Há muita mulher por aí que não merece cumprimento algum por este dia uma vez que, além de não colaborar em nada com as conquistas feministas, ainda engrossam o coro do machismo e do preconceito.

Acredito que toda causa, por mais legítima que seja, cai em descrédito quando beira o fanatismo. Resolvi usar este espaço para afirmar, sim, que existe machismo ainda e ele maltrata e fere. Não preciso ser chata, nem fanática para sustentar esta tese. Você é machista quando diz que  o homem que sai com muitas é pegador e mulher que sai com vários é biscate. Que um homem em seus quarenta anos é um solteirão cobiçado e bon vivant e a mulher, com a mesma idade, é encalhada. Que uma mulher está mal humorada porque é "falta de macho" e por aí vai. Digo mais: um homem que ajuda a mulher a lavar a louça não é bonzinho, ele não faz mais que a obrigação. Se um casal divide uma casa e os dois trabalham fora, não é dever só da mulher cuidar da casa e da cozinha. A não ser, veja bem, que ela queira.

É isso. Falar (escrever) faz bem. Receber rosas é, sim, uma delícia,  mas elas não podem vir sozinhas. Mulheres e homens são diferentes, mas devem ter direitos iguais. Bandeira antiguinha, mas ainda válida. Muito válida.

* post inspirado nos textos da Clara Averbuck, cujo blog é recomendado ali ao lado.