quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Lindo, mais que demais...

Em uma dessas entrevistas na tevê, perguntaram a Luiz Fernando Guimarães o que ele ainda queria da vida, depois de tanto sucesso. Se não me engano, era final dos anos 90, início de 2000, quando o ator estava em alta. Ele respondeu, sem pestanejar: "Eu queria ser lindo. Eu queria que as pessoas olhassem para mim e dissessem, de boca aberta: como você é lindo!" Vera Fischer, a deusa, deve ter ouvido isso durante toda a vida. Diz a lenda que a atriz, no auge da beleza, era aplaudida de pé quando adentrava nos lugares públicos do Rio de Janeiro. Não importava se ela estava com uma peça em cartaz ou no ar com alguma novela. Vera era aplaudida simplesmente por ser linda. Tratava-se de uma verdadeira aparição. Luiz Fernando Guimarães e Vera Fischer são figuras que vieram na minha associação livre. Na verdade, ando a pensar no ônus e no bônus da beleza extrema. Ou simplesmente no papel da aparência física no curso da vida. Um filme recente me trouxe reflexões a esse respeito, obrigando-me a pensar os meus próprios preconceitos.


Vera Fischer "como uma deusa"

"O lado bom da vida" (2012), filme indicado ao último Oscar em várias categorias (inclusive melhor filme, ator e atriz), é a adaptação do livro "Silver linnings playbook". Conta o drama de Pat, o protagonista vivido por Bradley Cooper, que sai de um hospital psiquiátrico após oito meses de internação. O diagnóstico que é dado ao rapaz é de transtorno bipolar. Ele havia entrado em grave crise após descobrir a traição da esposa. Durante o filme acompanhamos a volta de Pat ao cotidiano familiar e ao convívio de amigos e vizinhos, bem como o reencontro com Tifanny, uma jovem viúva. Tiffany, assim como Pat, havia descompensado diante de uma perda (a morte do marido), tendo importantes prejuízos sociais e afetivos. Em resumo, o filme conta a construção de um relacionamento entre duas pessoas emocionalmente feridas. A forma como é contada esta estória é interessante, embora o filme faça uso de alguns clichês. A direção também abusa da câmera nervosa e dos longos closes. A família barulhenta de Pat lembra a família Tufão da novela Avenida Brasil (2012) em que todos berram ao mesmo tempo e praticamente ninguém se ouve.


Moço feio, tadinho

O que para muitos é o ponto alto do filme, a mim causou incômodo: a beleza absurda dos protagonistas. Bradley Cooper está ótimo, mas parecia, aos meus olhos, lindo demais para estar tão mal, ainda que vestido com sacos de lixo. Jeniffer Lawrence, a Tiffany, uma garota sem manchas na pele,sem  rugas de expressão e com um corpo espetacular, faz uma viúva de pelo menos uns trinta anos, sofrida e ninfomaníaca. Faz parte do show; um bom filme também se faz da beleza dos seus atores e, às vezes só da beleza deles. A aparência de Cooper, no entanto, impediu que eu prestasse atenção em sua interpretação. Letícia, sua preconceituosa, alguém que é muito bonito não sofre? Um Bradley Cooper da vida não pode ter ciúmes, ser traído e abandonado pela mulher

 Uma vez surgiu um boato de que Michelle Pfeifer havia se afastado do cinema por ter sido diagnosticada com transtorno de pânico. Uma amiga minha comentou, com desdém: "você acha que uma mulher como Michelle Pfeifer tem tempo para ter crises de pânico? Ela está lá ocupada em ser linda..." A beleza em demasia, afinal, preencheria todas as faltas, não? Assim sendo, belos não sofrem, não tem depressão, não são internados em hospitais psiquiátricos. Um mito, é claro.


Luiz Fernando Guimarães queria ser lindo. LIN-DO. Muita gente quer. No entanto, quando falamos de realidade psíquica, as coisas complicam um pouco. Assim sendo, há pessoas consideradas feias que são irresistíveis e satisfeitas, enquanto modelos de beleza seguem dietas malucas em uma contínua insatisfação com o próprio corpo. Além disso, não há nada mais efêmero que a beleza física. Psicologismos à parte, vale a pena assistir "O lado bom da vida", especialmente no cinema. Se não fizer pensar, ao  menos enche os olhos. Não sei se Bradley Cooper é tão melancólico quanto seu personagem,  mas que é uma verdadeira paisagem, isso é. Lindo de viver, como diria Hebe Camargo.