quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Et j’ai pleuré...


A maioria de nós nasceu chorando. Aliás, se um bebê não chora logo ao nascer, ou se demora para chorar, algo pode estar errado. Quando somos bebês, antes de balbuciar qualquer coisa, choramos para tudo. Choramos porque queremos colo, choramos por fome, sede ou cólicas, choramos por desconforto, frio ou calor. Cabe à mãe ou substituta (o) fazer o papel de tradutor-intérprete: está com frio, né? quer colinho agora? tentando adivinhar nossos pedidos e dar um sentido ao choro. Conforme vamos crescendo e nos apropriando da linguagem falada, as lágrimas não são mais estimuladas. Há outras formas "mais bonitas", afinal, de pedir e expressar afetos. Aliás, é muito comum associar choro a uma certa fragilidade. Se você é forte, não chora.
  
Ao longo da vida, podemos identificar melhor o que nos comove e faz chorar, embora isso também possa mudar e surpreender. Há pessoas que choram muito ("em comercial de margarina" e "batizado de boneca") e outras que raramente choram. Na prática da clínica psicanalítica, o choro pode suscitar interpretações importantes. Nem sempre um choro é "óbvio". Lágrimas escorrem quando menos se imagina, surpreendendo analista e paciente. E muitas vezes, "aquele" choro que seria "esperado" não vem. 

Quanto a mim, o cinema costuma ser o lugar em que mais "deságuo" e na maioria das vezes, não é pelo filme. Como nunca sei quando vai acontecer, vou preparada com lenços e óculos escuros, pois saio parecendo que fui atacada por um enxame de abelhas africanas. Sendo um pouco do contra, eu nunca me comovo com os chamados filmes "de chorar". Sou capaz de me emocionar com o clássico "Cinderela baiana" e rir em "P.S. eu te amo" (aliás, esse filme é pra rir mesmo). 

O "emocionante" Cinderela Baiana
Também posso chorar com programas de tevê. Big Brother, inclusive. Uma vez estava em casa assistindo um documentário biográfico sobre o Chacrinha (o ótimo "Por toda a minha vida") e, de repente, eu comecei a chorar. Minha irmã, ao mesmo tempo, me telefonou, também aos prantos: "Você tá vendo o Chacrinha?" Configurou-se então a cena patética em que as duas irmãs choravam copiosamente ao telefone, enquanto assistiam às chacretes em poses ginecológicas e ao Chacrinha jogando bacalhau no povo. O fato é que a televisão foi nossa babá eletrônica por muito tempo, pois nossa mãe trabalhava muito. Chacrinha, além do Bolinha, Raul Gil, Barros de Alencar e até a Etty Fraser ajudaram a nos entreter. Descobrimos naquela ocasião, minha irmã e eu, que tínhamos, afinal, uma certa relação de amor  com o tal  Abelardo Barbosa.

Chacrinha, praticamente um membro da família
 Se é difícil lidar com nossas próprias lágrimas, costuma ser ainda mais lidar com as lágrimas do outro. "E se ela começar a chorar, o que eu faço?" Diante da dificuldade, muitas pessoas acabam por evitar situações em que supostamente terão de enfrentar isso. Términos de relacionamento, velórios e qualquer contexto que envolva crianças são circunstâncias de risco."Não é você, sou eu", "Você vai ter que ser forte" e "Pronto, pronto, passou, não foi nada" são frases clássicas (e péssimas) utilizadas  na vã expectativa de que a pessoa  não chore. No entanto, não se enganem: há crianças e adultos feitos que vêem no choro uma arma pra lá de poderosa.

Como sinal de fragilidade ou forma de manipulação, não há como negar o efeito das lágrimas. Elas dizem um pouco da gente. Por que choro? Por que choro agora? Por que, afinal, choro assim? Da forma que for, parece que bom mesmo é chorar com colo, de preferência com alguém que adivinhe nossos desejos, tal como fora, uma vez, lá atrás. A má notícia, vejam só,  é que o tempo de bebê passou. E faz tempo.