segunda-feira, 30 de abril de 2012

Em defesa das mães


Danuza Leão, colunista há anos da Folha de São Paulo, costuma escrever de um modo simples e acessível. Suas crônicas, inclusive, já foram compiladas em livros bastante vendidos. Para mim, a leitura de seus textos sempre havia sido tranquila até a crônica do último domingo, dia 29, que foi incômoda. O tema, muito interessante, é sempre pertinente: a dificuldade que algumas pessoas têm de se responsabilizarem pelas coisas que lhes acontecem de ruim. O inferno, para alguns, seria sempre os outros, escreveu ela. E, de fato, eu, você, todo mundo, conhece alguém que se vê assim: vítima do universo.

No entanto, ao falar sobre o trabalho dos psicanalistas, ela caiu naquele velho estereótipo de que os analistas ajudam seus clientes a culpar as mães e pais pelas infelicidades vida afora: "o problema não é meu, eu sou assim porque meu pai blá, blá, blá".  Há bons e maus analistas é bem verdade, mas afirmar que OS psicanalistas trabalham sempre de determinada forma não ajuda. Cai na mesma esparrela de dizer que os psicólogos acham que "tudo traumatiza".

Lendo o infeliz artigo da Danuza, lembrei-me de um filme que assisti recentemente e de que gostei muito "Precisamos falar sobre Kevin". O filme é baseado em um livro de mesmo nome, escrito em 2003 por Lionel Shriver. A personagem principal é Eva, uma mãe não vocacionada, interpretada brilhantemente por Tilda Swinton. A gravidez, desde o início é um tormento e seu filho, mesmo criança, está bem longe de ser um anjo. A relação entre os dois é turbulenta e tensa. Ela nota que há algo de errado com ele desde sempre, mas o pai do garoto não consegue ver. Algo de muito grave acaba acontecendo quando ele chega à adolescência. O filme, contado em flashbacks mostra  esta mãe, no presente, assombrada por seu passado. Solitária, ela é hostilizada (e até agredida) pelos habitantes de uma cidade. Apesar disso, ela se mantém resignada. A resignação chega a incomodar. Sentiria-se ela culpada por não ter sido a melhor mãe e, de alguma maneira, ter sido responsável por uma tragédia cometida por seu filho? Por não ter desejado aquele bebê? A narrativa se desenrola de forma a não dar explicações simplistas.

Em suma: o filme traz para discussão a responsabidade dos pais (especialmente da mãe) na trajetória de seus filhos.  Embora os americanos gostem de estorinhas com começo, meio e fim, este filme deixa a ferida em aberto. É denso e indigesto. Culpar as mães por tudo é sempre muito simples e fácil e nisso, Danuza Leão tem razão. No entanto,  transferir toda a culpa para os psicanalistas é igualmente um erro. Aliás, que falta fez um bom analista para a pobre Eva.

domingo, 22 de abril de 2012

Razões que a razão desconhece

Assisto novela no twitter. Sim, sou uma nerd noveleira. Algumas novelas (e outros programas) são melhores assistidos em bando. Como não moro com um bando de gente, recorro ao twitter. Em tempo real você comenta a cena, lê comentários, atenta-se a um detalhe despercebido, ri com uma observação engraçada, enfim. Pessoas que você nunca viu na vida, mas que são tuiteiros compulsivos, passam a ser seus companheiros de sofá.

Há muito tempo não assistia a uma novela, mas "Avenida Brasil", "a nova das nove", é bem escrita, é engraçada e tem um bom equilíbrio entre uma linha condutora dramática e alguns núcleos cômicos. Entre vários comentários durante os últimos capítulos da semana, duas tuitadas muito semelhantes me chamaram atenção:

"Só em ficção para um Cauã Reymond trocar uma Nathália Dill por uma sem sal como a Débora Falabella."

"Avenida Brasil está extrapolando na ficção. Tessália com Leleco, Adauto com Muricy".

As duas tuitadas (coincidentemente ou não) foram escritas por homens. As duas pressupõem o seguinte: só causa desejo no outro o jovem e belo. Se o belíssimo Cauã tem a opção de duas jovens, logo, escolheria a mais bonita. Se a miss Chapinha Tessália (Débora Nascimento) está com o sessentão Leleco (Marcos Caruso) e não é interesseira, o autor da novela estaria exagerando na licença poética, digamos. O mesmo se diria de Muricy (Eliane Giardini) e Adauto (Juliano Cazarré), um rapaz que poderia ser filho dela. Em cena de ontem em que se insinuou que Tessália e Leleco faziam sexo, tuitadas apareceram na minha timeline expressando nojo.



Bom, que os jovens e belos têm mais facilidade em despertar desejo, isso é inquestionável. A Biologia pode explicar, a Psicologia e a Psicanálise também. Taí uma das razões (senão A RAZÃO) por esta busca frenética pela juventude e beleza. No entanto, a coisa é muito mais complexa. Canso de ver mulheres lindas serem trocadas por outras aparentemente sem graça. Gordinhas que traçam meio mundo (oi, Preta Gil) e nerds estranhíssimos com mulheres estonteantes. E dá-lhe revistas femininas (e agora masculinas!) ensinando como dizer a coisa certa, na hora certa, o que vestir, como mexer no cabelo, etc, etc, para causar desejo no outro. Pode até ajudar, mas que isso é muito pessoal, é. Não há regra geral.

Um conhecido meu acha que uma das mulheres mais sexies do Brasil é a Regina Casé. Minha gente, eu penso tudo da Regina Casé, menos que ela é sexy. Tá certo que ele assistiu aquele montão de filme da Regina Casé no Canal Brasil, mas sexy?  Uma das mais sexies do Brasil???

 A conclusão de tudo isso é que o desejo não é óbvio como as revistas e os livros de auto ajuda querem pregar. Não há receita única. Que o mundo anda cada vez mais narcisista, eu não tenho dúvida, mas o amor (e o desejo) não acontece só entre iguais. Grande João Emanuel Carneiro que está tentando subverter o estereótipos em uma novela. E quem foi que disse que a ficção não faz pensar?

terça-feira, 17 de abril de 2012

Ouça bem... é preciso amar o inútil.
Criar pombos sem pensar em comê-los,
plantar roseiras sem pensar em colher rosas,
escrever sem pensar em publicar,
fazer coisas assim, sem esperar nada em troca.
A distância mais curta entre dois pontos pode ser a linha reta,
mas é nos caminhos curvos que se encontram as melhores coisas
A música, este céu que promete chuva,
aquela estrelinha que está nascendo, está vendo aquela estrelinha?
Há milênios não tem feito nada
não guiou os reis magos, nem os pastores, nem os marinheiros perdidos
Não faz nada
ninguém repara nela porque ela é inútil,
pois é preciso amar o inutil, porque no inútil está a beleza...
E está Deus...
Inútil é o amor que tenho por você..."

Lygia Fagundes Telles

(Ciranda de Pedra)

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Freud, Jung e o tal método perigoso

Desconfiada, embora com esperanças de um bom filme, fui assistir a "Um método perigoso"(2011), de David Cronemberg, diretor famoso por longas polêmicos. Entre seus filmes estão os perturbadores "A mosca"(1986)  e "Crash-estranhos prazeres"(1996), apenas para citar alguns. O enredo de "Um método perigoso" trata dos primórdios da Psicanálise, da ruptura dolorosa entre Freud e Jung, e do envolvimento de Jung com uma de suas pacientes, Sabina Spielrein.

A pré-história da Psicanálise já havia sido contada no cinema por John Houston, através do problemático "Freud, além da alma"(1962). Houve dificuldades com o roteiro (escrito por Jean Paul Sartre) e com o ator principal, Montgomery Clift. Excelente intérprete, Clift estava extremamente debilitado (física e emocionalmente) e teria dado problemas durante as gravações. É perceptível a fragilidade e a melancolia do ator para quem assiste o filme. Isso, sem dúvida, prejudicou sua interpretação de Sigmund Freud e ajudou a tornar o filme ainda mais sombrio.

Montgomery Clift e Suzanah York

A história entre Jung e Sabina Spielrein já fora contada em outro longa: “Jornada da Alma” (2003), com uma abordagem mais “romântica”, digamos, da relação do psicanalista com sua paciente. A protagonista de “Jornada da alma” é Sabina e sua trajetória brilhante (embora pouco conhecida) como psicanalista da qual, é claro, fazem parte Jung e Freud.

Em "Um método perigoso", o protagonista é Carl Gustav Jung em sua juventude. É a história dele que é contada em primeiro plano. Jung é interpretado por um dos "atores do momento", o belo Michael Fassbender. Defendendo Freud, está o ótimo Viggo Mortensen, e Keira Knightley interpreta a Sabina Spielrein.



Michael Fassbender (Jung) e Viggo Mortensen (Freud)

Eu cheguei a ouvir certas piadas a respeito de escalarem galãs para interpretarem pensadores sisudos (e barbados) de outros tempos. No entanto, o suíço Jung era um "tipão charmoso", de fato. "Jung era um homem de uma poderosa inteligência (...) dotado de grande força física, apreciava os contatos humanos, os exercícios corporais e o convívio das mulheres(...)", escreveu a psicanalista Elizabeth Roudinesco em seu dicionário de Psicanálise.

O jovem Jung, quando ainda era "o príncipe herdeiro" de Freud
Para quem não é da área Psi, o filme pode parecer enfadonho, especialmente quando mostra os diálogos sobre teoria psicanalítica entre Freud e Jung, assim como entre os dois e Sabina. Os diálogos foram baseados em uma troca intensa de correspondência e muito fiel ao que, de fato, a História conta. Houve risos no cinema em alguns momentos, pois o início da psicanálise teve seus momentos assustadores e patéticos, especialmente no que tange ao manejo da transferência. Jung não conseguiu distinguir claramente amor e transferência, e o tratamento resultou em uma paixão incontrolável entre o terapeuta e sua paciente. Escreveu ele a Freud em 1909, sobre Sabina: "Ela fez um terrível escândalo, só porque me recusei o prazer de conceber um filho com ela. Sempre me mantive, com ela, nos limites de um gentleman, mas apesar de tudo não me sinto muito inocente aos olhos de minha consciência, um pouco sensível demais, e é isso que mais me perturba, pois minhas intenções sempre foram muito puras. Mas você bem sabe que o diabo usa as melhores coisas para produzir lama".

Por conta do amor por Jung (e apesar dele), Sabina curou-se de seus sintomas e tornou-se médica e psicanalista. Inventou a noção de pulsão destrutiva e sádica, que originou a pulsão de morte. Amorosamente ligada a Jung, depois ela se afinou, teoricamente, mais a Freud. Ambos sofreram com a ruptura com Jung (Freud o via como filho e sucessor, Sabina queria um filho dele).

Escreveu Freud a  judia Sabina, após a ruptura: "Da minha parte, como você sabe, estou curado de qualquer predileção pelos arianos e quero crer que, se o seu filho for homem, ele se tornará um inabalável sionista. Ele tem que ser moreno, ou então tornar-se moreno. Chega de cabeças louras (...) Somos e continuamos a ser judeus."

O filme termina antes da Primeira Guerra mundial e, portanto, antes de grandes conceitos da psicanálise serem desenvolvidos, tanto por Jung, como por Freud. Jung deu o nome de Psicologia analítica à teoria que passou a embasar sua prática em psicoterapia. Sabina casou-se com outro homem, teve filhos e foi uma das precursoras do trabalho em psicanálise com crianças.

Saí do cinema com a sensação de que muito do que fora contado no filme, especialmente no que dizia respeito à vida pessoal daqueles figurões, era uma licença poética de Cronemberg. Qual não foi minha surpresa quando, ao estudar, percebi que a ficção, de fato, perde para a vida real. Ainda respeito muito mais Freud como teórico, mas a figura pessoal de Jung é infinitamente mais fascinante.