domingo, 22 de janeiro de 2012

A mulher que não conseguia esquecer...

Coqueluche é  uma gíria antiga, lá dos anos 40, que queria dizer "o assunto do momento". Só que naqueles tempos, provavelmente, as "coqueluches" duravam mais tempo do que hoje. Por exemplo, a coqueluche da semana que passou foi a tal "Luiza que estava no Canadá" e o suposto abuso sexual do BBB. Na semana que vem, com certeza, a coqueluche será outra. As redes sociais, entre outras coisas, tem esta função: nos informar sobre o assunto do momento. A outra é nos conectar com o passado. Aquela  paixonite que você julgava acabada, músicas que há tempos não ouvia, dores adormecidas. Sinceramente, às vezes acho que o "someone you may know" do facebook parece estar de sacanagem comigo.

Entre as lembranças leves, recentemente o "you may know" me trouxe de volta um muso inspirador do final da minha adolescência. Era muso e só. Bom para olhar e achar fofo. Meu e de uma amiga. Era um moleque bicho grilo cheio de cachos nos cabelos. Aliás, era isso que o fazia muso: os cachos de anjinho. O facebook o trouxe de volta. Sem cachos. Um tiozão careca. Se não fosse os olhos e o "you may know", jamais o reconheceria. Em papo com a mesma amiga daqueles tempos, lamentei o ocorrido.

- Fiquei triste agora.
- Por quê?
- Nosso muso inspirador não existe mais. Você não vai acreditar quem eu encontrei no facebook.
- Quem?
- FU-LA-NI-NHO! Acredita que ele não tem mais os cachos? Aquele menino não existe mais, ficou lá em 92.
- Quem é fulaninho? Não sei quem é. Não lembro.
- ....

Mocinho aleatório que poderia ser o fulaninho
Descrevi, dei detalhes. Ela não lembrou. Contei conversas nossas daqueles tempos. Ela não lembrava de jeito nenhum. Minhas lembranças vívidas e o tal fulaninho dos cachos não fazia o menor sentido para ela. Além do muso, tive a sensação de ter  perdido  a amiga daqueles tempos.

Amigos são testemunhos da nossa história, eu li uma vez. Se ninguém se lembra de algo junto com você, há uma estranha sensação de loucura, como se fosse um universo paralelo: afinal, aquilo aconteceu, ou não? Só eu vivi? O youtube e os sites retrô me salvaram um pouco neste sentido. Desenhos animados meio bizarros que ninguém parecia se recordar estão lá só para me provar que não, eu não estou louca.

-Chamando Carro de Perfume, chamando Carro de Perfume...
Pensei em tudo isso ao ler o livro "A mulher que não consegue esquecer", um relato auto biográfico de Jill Price, que sofre de síndrome hipertiméstica, um caso raro de "super memória". A americana Jill lembra os detalhes de todos os dias que viveu desde os oito anos de idade, do programa que passava na televisão, à cor do sofá e o que jantou. Isso aliado a todos os acontecimentos históricos do dia. Ao ler uma data, imediatamente lhe ocorrem sons, cheiros e as lembranças vívidas. Neste caso, aquela expressão clichê "passou um filme na minha cabeça" faz todo o sentido. Situações como aquela que descrevi acima são corriqueiras. A maior parte dos detalhes que são extremamente reais para Jill não existiram para muitos dos seus amigos e familiares.

A conclusão que se tira do livro é que perder a memória é uma verdadeira tragédia, mas lembrar-se de tudo também é. O conto  "Funes, o memorioso" de Jorge Luis Borges, aborda o tema de forma mais cômica, mas a conclusão é a mesma. Viver lembrando do passado pode te impedir de viver o presente e, por que não, de "sonhar" com o futuro. No entanto, "o brilho eterno de uma mente sem lembranças" também é uma ilusão. Algo precisa ser lembrado (e repetido, e elaborado, como diria o tio Freud).

Quanto ao post, que o facebook e derivados sejam mais generosos conosco e nos ajudem a esquecer (e não a lembrar) coisas que não fazem mais o menor sentido hoje. É um verdadeiro pândego este "someone you may know".

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

A UM AUSENTE

Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.
Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?
Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.
Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste


Carlos Drummond de Andrade

domingo, 8 de janeiro de 2012

Sobre cafajestes e princesas...

Um fio condutor similar une dois filmes aparentemente muito distintos que assisti agora em Dezembro. À procura de leveza em meio aquele estresse comum nos finais de ano, escolhi o brasileiro "Malu de bicicleta" e o americano "Um lugar qualquer" (Somewhere), ambos de 2010. Leveza não foi bem o que encontrei.

Os dois filmes poderiam ser enquadrados naquele tipo de enredo "boy meets girl" tão comum em muitas obras de ficção: menino encontra garota, tem sua vida transformada por ela e blá, blá, blá. E é isso, mas contado de uma forma diferente, o que faz o brilho das duas tramas. "500 dias com ela", filme já citado "ad infinitum" por aqui, no blog, é um exemplo bacana de como a direção faz mágicas com uma  história que já foi contada inúmeras vezes.

Os protagonistas dos dois filmes são homens entre 30 e 40 anos. São aqueles do tipo irresistível, que eu, você, todo mundo já esbarrou um dia por aí. "Irresistível" pela posição social, pelo sex appeal e talvez até pela suposta inacessibilidade. Marcelo Serrado interpreta Luiz, o empresário da noite paulistana que tem a mulher que quer, na hora em que quer, em "Malu de Bicicleta". Stephen Dorff
é o ator bonitão de filmes de ação Johnny Marco que, antes de ter qualquer desejo, já está sendo prontamente atendido. Um recurso usado nos dois filmes é você ter a perspectiva do protagonista que, por onde passa, as mulheres se curvam, oferecem telefone, se jogam, fazem o diabo. Todas elas mulheres lindas, algumas diferentes, exóticas, gostosas e o escambau. Eles se divertem por uma noite e as descartam. Algumas ficam obcecadas. Nos dois filmes há a figura da louca perseguidora e amargurada que, uma vez seduzida, é abandonada pelo homem irresistível.

Aí surge ela, A garota especial. Em "Malu de bicicleta", ela é Malu (Fernanda de Freitas), a garota descolada e analisada que atropela (literalmente) o protagonista Luiz.


Em "Um lugar qualquer", a garota especial é a filha de Johnny Marco, a fofíssima Elle Faning, que faz a Cleo.


Cleo tem onze anos e Malu deve ter seus vinte e poucos. A idade pouco importa. O que fica explícito nos dois filmes é que ambas parecem ser muito mais maduras do que Johnny e Luiz. É no contraste com elas que os dois personagens masculinos apresentados inicialmente como "fodões irresistíveis" começam a parecer patéticos, inseguros e extremamente imaturos. Há algo de "pureza" também nas duas mulheres. Malu, apesar de ser sexy e namoradeira, é equilibrada, doce e cheia de boas intenções. Cleo é uma pré adolescente apresentada sem qualquer malícia, que se dispõe a cuidar do pai.

O desfecho dos dois filmes não deixa de ser romântico (no caso de Malu) e moralista, por assim dizer, em ambos.  A vida de esbórnia, drogas e libertinagem não faz o menor sentido. O que faz sentido é encontrar uma princesa que mudará sua perspectiva de vida (uma namorada, em "Malu", a filha, em "Um lugar qualquer"). Não é à toa, portanto, que ainda existam homens que busquem princesas por aí. E mulheres que sonhem ser o ponto de mudança na vida de conhecidos cafajestes. Marcelo Rubens Paiva e Sofia Coppola merecem minhas humildes reverências.